Como quase sempre acontece, prefiro o título original à sua
frequentemente pouco feliz conversão para outras línguas (incluindo o português,
de Portugal ou do Brasil) – sinal menos para “00:30 Hora Negra” (ou “A
Hora Mais Escura”) e sinal mais para “Zero Dark Thirty”, pois…
O novo filme da realizadora Kathryn Bigelow – em nova parelha com
o seu argumentista de eleição, Mark Boal – conta uma história que tinha de ser melhor
conhecida e merecia ser tão bem contada quanto possível. Afastando-se das já
estafadas imagens do ataque às torres gémeas, dos dramáticos relatos em torno
das vítimas civis, das grandes produções de guerra ao terror, das exacerbadas
conspirações antiamericanas ou das maniqueístas e inconsequentes polémicas
político-humanitárias…
Um mero apontamento, neste último registo, para a propalada carta
aberta de Naomi Wolf considerando o filme “muito bem filmado” mas acusando-o de
“anúncio publicitário” e de insinuar que “esta brutalidade [a tortura] é de
alguma forma necessária”, assim como procurando denunciá-lo como branqueador de
crimes (Guantánamo, designadamente) e serviçal em relação à indústria militar
que o terá ajudado a financiar. Uma injustiça tão gritante quanto a tortura não
surge minimamente escamoteada e quanto a única aparição de Obama enuncia um
discurso político claramente contraditório com a prática dos agentes no terreno
– mas Bigelow é assim, bem mais factual e subtil do que doutrinária e
apologética.
Esta dramatização dos passos que conduziram à captura de Osama bin
Laden assenta num triângulo cujos vértices são eventos comprovadamente reais, o
intenso acesso a uma privilegiada inside
information e alguma necessária ficção. O resultado ajuda, indubitavelmente,
a melhor compreendermos e enquadrarmos aquele processo de captura, integrando-o
numa narrativa hábil e detalhada mas cheia de ação e ritmo (a despeito de um
desfecho previamente conhecido).
Cinco notas finais:
·
o
filme não pretende enganar ninguém no seu foco primordial, o de uma cobertura
profissional e credível do “momento” e não o de qualquer tipo de análise e
reflexão em torno do terrorismo e dos múltiplos fantasmas norte-americanos;
·
o
filme termina com uma sequência notável de quase meia hora sobre a invasão do
complexo onde bin Laden vivia, localizado em Abbottabad (Paquistão), a qual
ocorre após um longo processo de deteção do seu mensageiro (Abu Ahmad) e de
convencimento das autoridades norte-americanas;
·
o
filme parece sugerir uma perturbante tibieza e falta de assertividade das mais
altas instâncias norte-americanas, impressão que vem aliás muito em linha com a
evidente vulnerabilidade revelada pelo sistema de defesa nacional aquando do
09/11;
·
o
filme sublinha exemplarmente quanto algumas tramitações da História podem
depender de obstinações pessoais como a daquela (ficcionada?) Maya, tão bem
protagonizada por Jessica Chastain (quase fazendo recordar a Ana Gomes dos
tempos em que lutava isolada pela causa de Timor-Leste);
·
o
filme deixa no ar a interrogação central dos tempos atuais, bem traduzida
naquela derradeira cena em que Maya entra num avião e, perguntada para onde
quer ir, olha em frente e não responde.
Valerá certamente a pena ver este filme. Como ler depois o
recém-traduzido “Um Dia Difícil” de Mark Owen, onde um líder dos Navy SEALs relata na primeira pessoa a
missão que matou Osama bin Laden – um documento histórico onde o papel de Maya é
desempenhado por uma Jen…
Sem comentários:
Enviar um comentário