sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

O CINEMA TAMBÉM COMO REGISTO


Como quase sempre acontece, prefiro o título original à sua frequentemente pouco feliz conversão para outras línguas (incluindo o português, de Portugal ou do Brasil) – sinal menos para “00:30 Hora Negra” (ou “A Hora Mais Escura”) e sinal mais para “Zero Dark Thirty”, pois…
 
O novo filme da realizadora Kathryn Bigelow – em nova parelha com o seu argumentista de eleição, Mark Boal – conta uma história que tinha de ser melhor conhecida e merecia ser tão bem contada quanto possível. Afastando-se das já estafadas imagens do ataque às torres gémeas, dos dramáticos relatos em torno das vítimas civis, das grandes produções de guerra ao terror, das exacerbadas conspirações antiamericanas ou das maniqueístas e inconsequentes polémicas político-humanitárias…
 
Um mero apontamento, neste último registo, para a propalada carta aberta de Naomi Wolf considerando o filme “muito bem filmado” mas acusando-o de “anúncio publicitário” e de insinuar que “esta brutalidade [a tortura] é de alguma forma necessária”, assim como procurando denunciá-lo como branqueador de crimes (Guantánamo, designadamente) e serviçal em relação à indústria militar que o terá ajudado a financiar. Uma injustiça tão gritante quanto a tortura não surge minimamente escamoteada e quanto a única aparição de Obama enuncia um discurso político claramente contraditório com a prática dos agentes no terreno – mas Bigelow é assim, bem mais factual e subtil do que doutrinária e apologética.
 
Esta dramatização dos passos que conduziram à captura de Osama bin Laden assenta num triângulo cujos vértices são eventos comprovadamente reais, o intenso acesso a uma privilegiada inside information e alguma necessária ficção. O resultado ajuda, indubitavelmente, a melhor compreendermos e enquadrarmos aquele processo de captura, integrando-o numa narrativa hábil e detalhada mas cheia de ação e ritmo (a despeito de um desfecho previamente conhecido).
 
Cinco notas finais:
 
·         o filme não pretende enganar ninguém no seu foco primordial, o de uma cobertura profissional e credível do “momento” e não o de qualquer tipo de análise e reflexão em torno do terrorismo e dos múltiplos fantasmas norte-americanos;

·         o filme termina com uma sequência notável de quase meia hora sobre a invasão do complexo onde bin Laden vivia, localizado em Abbottabad (Paquistão), a qual ocorre após um longo processo de deteção do seu mensageiro (Abu Ahmad) e de convencimento das autoridades norte-americanas;

·         o filme parece sugerir uma perturbante tibieza e falta de assertividade das mais altas instâncias norte-americanas, impressão que vem aliás muito em linha com a evidente vulnerabilidade revelada pelo sistema de defesa nacional aquando do 09/11;

·         o filme sublinha exemplarmente quanto algumas tramitações da História podem depender de obstinações pessoais como a daquela (ficcionada?) Maya, tão bem protagonizada por Jessica Chastain (quase fazendo recordar a Ana Gomes dos tempos em que lutava isolada pela causa de Timor-Leste);

·         o filme deixa no ar a interrogação central dos tempos atuais, bem traduzida naquela derradeira cena em que Maya entra num avião e, perguntada para onde quer ir, olha em frente e não responde.
 
Valerá certamente a pena ver este filme. Como ler depois o recém-traduzido “Um Dia Difícil” de Mark Owen, onde um líder dos Navy SEALs relata na primeira pessoa a missão que matou Osama bin Laden – um documento histórico onde o papel de Maya é desempenhado por uma Jen…

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