A entrevista de Suzanne Cotter, a nova
diretora do Museu de Arte Contemporânea de Serralves, concedida à jornalista
Ana Soromenho na Revista do Expresso deste fim de semana constitui um documento
muito relevante para compreender a globalização do movimento artístico e
sobretudo a ambição com que Serralves será gerido do ponto de vista artístico no
seu próximo ciclo de afirmação.
Vinda de Nova Iorque e de um lugar
proeminente na Fundação Guggenheim, Suzanne Cotter apresenta uma experiência
notável de passagem por lugares relevantes como o Museu Picasso em Paris,
galerias influentes de Londres e o Museu de Arte Contemporânea de Oxford. Este
registo e sobretudo a sua rede internacional de artistas, curadores, galerias e
outras personalidades no mundo global da arte dão o mote para os futuros ciclos
de programação de Serralves. Afinal, trata-se de aprofundar a marca de afirmação
iniciada com Vicente Todoli, que como é conhecido transitou de Serralves para a
Tate Modern em Londres. A partir de uma segunda cidade, não capital, de pequena
dimensão, o projeto de Serralves transformou-se rapidamente num farol do que o
projeto de internacionalização da cidade do Porto e da sua Região deveriam ser:
um projeto próprio, autónomo e não mimético da internacionalização a partir dos
iluminados da capital, construído em função das redes de internacionalização
dos seus principais players que não
coincidem em muitos casos com os da capital. Como é óbvio, um projeto desta
natureza reforça-se naturalmente com lideranças que transportem elas próprias
redes pujantes e diversificadas no mundo global da arte como parece ser o caso
de Suzanne Cotter.
Mas importa referir que a sua candidatura (não
importa se foi ou não sondada previamente) ao lugar de Serralves é também
resultado do próprio percurso de programação do Museu e da sua projeção no seio da rede
pessoal que agora transporta para o próximo ciclo de afirmação do Museu.
Do que a entrevista permite antever quanto ao
futuro, importa sublinhar o facto da nova Diretora não parecer assustada com os
cortes de financiamento público. A sua perspetiva de frescura de posições,
perfilando-se para trabalhar com a riqueza dos recursos existentes, é
promissora e pode trazer criatividade na transição para novos modelos de
financiamento.
Para além disso, a sua visão cosmopolita do
mundo da arte fá-la pensar em Serralves como a sua Cidade, potenciando as suas
próprias redes e comunidade de players,
mas evidenciando uma grande curiosidade e apetência por conhecer a comunidade
de artistas. O seu propósito de estabelecer um diálogo permanente entre os
artistas mais jovens e consagrados à procura de “uma narrativa forte sobre a
história da arte nas últimas décadas, explorar o contexto português e mostrar o
que é a arte em Portugal agora” pode abrir uma outra maneira de estar de Serralves na Região, sem deixar de estar por isso no Mundo.
Esta é para mim o tema de reflexão mais
importante a desenvolver. Equipamentos desta natureza, concebidos com esta ambição
(Cotter pretende transformar Serralves num dos cinco lugares de referência no
mundo da arte), alicerçados por isso numa lógica de competitividade no mundo artístico
global, necessitam também de ser avaliados à luz do que representam como
instrumento de política cultural a nível nacional e regional. Há que reconhecer
que a compatibilização dos dois campos (o internacional e o nacional/regional) não
brota espontaneamente de todos os projetos. O problema é que em países/regiões
como Portugal e o Norte, onde não há qualquer arremedo de política cultural, só
por coincidência ou simples acaso essa compatibilização é conseguida. Pode ser
que alguém de fora, de mente mais fresca e não alinhada com as cristalizações
de protagonismo que estes projetos tendem a gerar, possa alargar a envolvência da
ação dinamizadora de Serralves, ajudando a projetar internacionalmente outros
recursos não circunscritos aos “amigos” de Serralves.
Folgamos que, ainda indecisa entre dois
apartamentos (na Foz ou em Matosinhos), se apresente como alguém que adora a
natureza e privilegia a relação com o mar: “Dá-me conforto imaginar que posso
passear logo pela manhã na praia, enquanto ponho as ideias em ordem e organizo
o meu dia a olhar para o oceano”. Suzanne, bem vinda ao Porto, cidade atlântica.
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