Por simples
coincidência irónica ou talvez não (quem sabe?), as entrevistas de Cavaco e
Silva na edição dos 40 anos do Expresso de ontem e de Joaquim Aguiar (JA) ao Público
de hoje estão mais ligadas do que aparentam e a sua interpretação ganha mais
significado quando lidas em conjunto.
De ambas as
entrevistas ganha-se a perceção de que a influência de Cavaco e Silva no
passado e no futuro que nos está reservado é certamente bem mais importante do
que em regra os que não contribuíram com o seu voto para essa proeminência (que
é o meu caso) tendem a reconhecer. JA usa mesmo a expressão de contornos bíblicos
para associar o nome de Cavaco a uma espécie de Moisés da sociedade portuguesa,
assumindo o papel de a conduzir para uma outra margem, dado o esgotamento
daquela em que presentemente nos encontramos.
Penso que é a
primeira vez que neste blogue é feita alguma referência a reflexões de JA. Dos
tempos de investigador com trabalho de ciência política regularmente publicado na
Análise Social à função atual de administrador de empresas do grupo Mello,
passando pela função de assessor das casas civis de Ramalho Eanes e Mário
Soares, o comentador político que irrompe por vezes seja pela mão de Mário
Crespo na SIC Notícias, seja na RTP Informação não é propriamente uma figura
focada na minha atenção. Metafórico quanto baste, sempre hermético no seu
discurso, com uma pose a tocar o snobismo, JA não é seguramente um comentador
de largo espectro. Muito poucos terão ou a pachorra ou a capacidade de atenção
para seguir atentamente a complexidade de alguns dos seus raciocínios. Mas
tenho de reconhecer que, face à alarvidade de algumas das personagens que passam
pelos écrans, os escritos ou os comentários de JA não me deixam indiferente. A entrevista ao Público não foge a esse registo. Pode gostar-se
ou não. Algumas passagens podem mesmo crispar-nos a opinião, mas é material que
vale a pena ler.
Curiosamente,
JA retoma no seu argumentário um princípio de análise que é muito comum a
algumas reflexões de Eduardo Lourenço. Ou seja, as dificuldades de dissociação
política entre o imaginário da sociedade portuguesa e o real dos seus
constrangimentos não são coisa muito diferente do que Eduardo Lourenço falava
quando referia a dificuldade de Portugal alimentar uma ideia “real” de si próprio,
historicamente perturbado pela ilusão do império e pelo seu confinamento a um
território bem pequeno.
O argumento
sobre a relevância futura de Cavaco é controverso porque quase messiânico: “A longevidade de
Cavaco na política faz dele o referente histórico fundamental para nos
apreciarmos este período. É ele que tem que encontrar a resposta consistente
que nos permita abrir para um período de recuperação. Ele sabe que nós naufragámos,
mas naufragámos num mar desconhecido que não tem mapa e só pode avançar com as
correntes que provocaram o naufrágio. Ele sabe que a solução está dentro do
problema”. Receio que o homem (o Presidente) não tenha arcaboiço nem
audácia suficientes para tal responsabilidade.
Mas há na
entrevista argumentos bem menos controversos aos quais vale a pena conceder
atenção.
Analisemos
alguns.
Citando: “O futuro tem que
ser uma descontinuidade. Numa crise deste tipo, o presente não liga o passado
com o futuro e quem ficar a olhar pelo retrovisor tem um acidente”.
O futuro de uma sociedade competitiva segundo JA dependerá sobretudo da capacidade
de atrair investimento direto estrangeiro de nova geração: “Na sociedade
portuguesa há dois terços de adaptados e um terço de inquietos. É neste um
terço de inconformados que, perante a experiência da crise e a nova inteligência
sobre o que são os limites da regulação, vão conduzir politicamente projetos
que não sejam distributivos e sejam competitivos”.
Há neste
argumento uma pequena falácia. Os projetos competitivos podem ser distributivos
desde que sejam capazes de criar emprego mais qualificado a ritmo apreciável. Durante
largo tempo, a economia portuguesa foi distributiva não pela intensidade das
políticas sociais mas antes pela sua capacidade de criar emprego. O desafio é
agora retomar essa capacidade com níveis de qualificação acrescidos. É por
estes motivos que tenho defendido que, no meio de tanta trapalhada e
desautorização, de tiros nos pés e inadaptação ao jogo político, coube ao ministro
Álvaro Santos Pereira (ASS) a única ideia de futuro que este governo foi capaz
de avançar, embora nela tenha tropeçado depois de a lançar. A ideia foi os 10%
de IRC para atrair capital estrangeiro: Mais do que o blá blá da diplomacia
económica, a ideia de ASS tinha alcance e dimensão.
Finalmente,
partilho a análise de JA sobre a chamada terceira geração de políticos: “A sociedade, os
cidadãos não compreendem o que está a acontecer porque ninguém lhes explica. Perderam a
confiança porque perderam a orientação. Por que é que não há explicação sobre o
que está a acontecer em termos de crise? Porque os governantes estão tão perplexos
quanto a sociedade. Por isso é que eles são funcionários. São funcionários de
um mundo onde cresceram e onde criaram a ambição de virem a exercer o poder”.
A geração
atual de políticos seria assim uma geração de funcionários, de simples
intermediários. O aprofundamento deste argumento conduz-nos a meu ver a uma espécie
de cul de sac.
Funcionários ou simples intermediários não nos podem oferecer a rutura do
futuro. Que geração de políticos vai o tal terço de inadaptados e inquietos da
sociedade portuguesa gerar?
Um funcionário (JA) do grupo MEllo, verdadeiro paradigma do crony capitalism nacional, ainda tem a lata de pensar sobre o futuro ? Mais valia estar calado.
ResponderEliminarE o prof António Figueiredo ainda o cita ? Francamente, a inteligência que nos trouxe à bancarrota devia era estar caladinha.
ASS? Cul de sac? Hmmm...
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