domingo, 6 de janeiro de 2013

AGUIAR VERSUS CAVACO



Por simples coincidência irónica ou talvez não (quem sabe?), as entrevistas de Cavaco e Silva na edição dos 40 anos do Expresso de ontem e de Joaquim Aguiar (JA) ao Público de hoje estão mais ligadas do que aparentam e a sua interpretação ganha mais significado quando lidas em conjunto.
De ambas as entrevistas ganha-se a perceção de que a influência de Cavaco e Silva no passado e no futuro que nos está reservado é certamente bem mais importante do que em regra os que não contribuíram com o seu voto para essa proeminência (que é o meu caso) tendem a reconhecer. JA usa mesmo a expressão de contornos bíblicos para associar o nome de Cavaco a uma espécie de Moisés da sociedade portuguesa, assumindo o papel de a conduzir para uma outra margem, dado o esgotamento daquela em que presentemente nos encontramos.
Penso que é a primeira vez que neste blogue é feita alguma referência a reflexões de JA. Dos tempos de investigador com trabalho de ciência política regularmente publicado na Análise Social à função atual de administrador de empresas do grupo Mello, passando pela função de assessor das casas civis de Ramalho Eanes e Mário Soares, o comentador político que irrompe por vezes seja pela mão de Mário Crespo na SIC Notícias, seja na RTP Informação não é propriamente uma figura focada na minha atenção. Metafórico quanto baste, sempre hermético no seu discurso, com uma pose a tocar o snobismo, JA não é seguramente um comentador de largo espectro. Muito poucos terão ou a pachorra ou a capacidade de atenção para seguir atentamente a complexidade de alguns dos seus raciocínios. Mas tenho de reconhecer que, face à alarvidade de algumas das personagens que passam pelos écrans, os escritos ou os comentários de JA não me deixam indiferente. A entrevista ao Público não foge a esse registo. Pode gostar-se ou não. Algumas passagens podem mesmo crispar-nos a opinião, mas é material que vale a pena ler.
Curiosamente, JA retoma no seu argumentário um princípio de análise que é muito comum a algumas reflexões de Eduardo Lourenço. Ou seja, as dificuldades de dissociação política entre o imaginário da sociedade portuguesa e o real dos seus constrangimentos não são coisa muito diferente do que Eduardo Lourenço falava quando referia a dificuldade de Portugal alimentar uma ideia “real” de si próprio, historicamente perturbado pela ilusão do império e pelo seu confinamento a um território bem pequeno.
O argumento sobre a relevância futura de Cavaco é controverso porque quase messiânico: “A longevidade de Cavaco na política faz dele o referente histórico fundamental para nos apreciarmos este período. É ele que tem que encontrar a resposta consistente que nos permita abrir para um período de recuperação. Ele sabe que nós naufragámos, mas naufragámos num mar desconhecido que não tem mapa e só pode avançar com as correntes que provocaram o naufrágio. Ele sabe que a solução está dentro do problema”. Receio que o homem (o Presidente) não tenha arcaboiço nem audácia suficientes para tal responsabilidade.
Mas há na entrevista argumentos bem menos controversos aos quais vale a pena conceder atenção.
Analisemos alguns.
Citando: “O futuro tem que ser uma descontinuidade. Numa crise deste tipo, o presente não liga o passado com o futuro e quem ficar a olhar pelo retrovisor tem um acidente”. O futuro de uma sociedade competitiva segundo JA dependerá sobretudo da capacidade de atrair investimento direto estrangeiro de nova geração: “Na sociedade portuguesa há dois terços de adaptados e um terço de inquietos. É neste um terço de inconformados que, perante a experiência da crise e a nova inteligência sobre o que são os limites da regulação, vão conduzir politicamente projetos que não sejam distributivos e sejam competitivos”.
Há neste argumento uma pequena falácia. Os projetos competitivos podem ser distributivos desde que sejam capazes de criar emprego mais qualificado a ritmo apreciável. Durante largo tempo, a economia portuguesa foi distributiva não pela intensidade das políticas sociais mas antes pela sua capacidade de criar emprego. O desafio é agora retomar essa capacidade com níveis de qualificação acrescidos. É por estes motivos que tenho defendido que, no meio de tanta trapalhada e desautorização, de tiros nos pés e inadaptação ao jogo político, coube ao ministro Álvaro Santos Pereira (ASS) a única ideia de futuro que este governo foi capaz de avançar, embora nela tenha tropeçado depois de a lançar. A ideia foi os 10% de IRC para atrair capital estrangeiro: Mais do que o blá blá da diplomacia económica, a ideia de ASS tinha alcance e dimensão.
Finalmente, partilho a análise de JA sobre a chamada terceira geração de políticos: “A sociedade, os cidadãos não compreendem o que está a acontecer porque ninguém lhes explica. Perderam a confiança porque perderam a orientação. Por que é que não há explicação sobre o que está a acontecer em termos de crise? Porque os governantes estão tão perplexos quanto a sociedade. Por isso é que eles são funcionários. São funcionários de um mundo onde cresceram e onde criaram a ambição de virem a exercer o poder”.
A geração atual de políticos seria assim uma geração de funcionários, de simples intermediários. O aprofundamento deste argumento conduz-nos a meu ver a uma espécie de cul de sac. Funcionários ou simples intermediários não nos podem oferecer a rutura do futuro. Que geração de políticos vai o tal terço de inadaptados e inquietos da sociedade portuguesa gerar?

2 comentários:

  1. Um funcionário (JA) do grupo MEllo, verdadeiro paradigma do crony capitalism nacional, ainda tem a lata de pensar sobre o futuro ? Mais valia estar calado.

    E o prof António Figueiredo ainda o cita ? Francamente, a inteligência que nos trouxe à bancarrota devia era estar caladinha.

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