(https://www.ft.com/europe-express?emailId=24f23827-4bad-4e5a-8691-1ff3e5f74c5e&segmentId=488e9a50-190e-700c-cc1c-6a339da99cab)
(A brutal invasão da Ucrânia pela Rússia e a disrupção que Trump veio trazer à ordem económica e política internacional colocaram no centro do debate internacional uma diversidade de problemas novos, como a questão da continuidade e/ou sustentabilidade da NATO, o peso do esforço nacional em despesas militares e toda a complexidade do edifício da segurança europeia. É conhecido que o principal cimento da construção europeia, na perspetiva da adesão dos cidadãos, sempre se apoiou na consolidação do chamado modelo do Estado Social. Sabe-se que esse edifício do Estado Social é muito desigual (1) entre os estados-membros e que, por exemplo, os países da Europa do Sul estão longe de poder contar com uma proteção tão vasta como a observada nos países do Norte da Europa e em França. Mas comparativamente aos modelos de outros países, os Europeus em geral sabem que podem contar com um modelo de proteção social que os diferencia e beneficia. Creio que essa perceção é responsável pelo facto de, apesar de todas as críticas ao modelo europeu e ao seu processo de construção, os cidadãos valoram essa diferença e apostam na sua defesa. A emergência do tema do rearmamento e da defesa militar e em termos globais da Europa vem alterar esse status quo, sobretudo porque emergiu imediatamente a questão da possibilidade do esforço de rearmamento e defesa poder atingir a preservação do Estado Social, mesmo que admitindo as imperfeições da sua construção e a menor velocidade de consolidação da Europa Social. Não me espanta, por isso, que uma grande parte da União Europeia tenha assobiado para o lado em matéria de financiamento da proteção concedida pela NATO, encantada com a evidência do Tio Sam se chegar à frente e continuar a assumir a principal responsabilidade desse financiamento. Não é que a incomodidade desse problema não tenha sido já identificada por outros presidentes americanos antes do inconfiável Trump, agora como se previa em choque aberto com o sistema judicial americano. Mas a intensidade e gravidade desses alertas não foi de molde a alterar comportamentos e por isso a disrupção Putin-Trump foi tão brutalmente sentida, suscitando indevidamente em muitas forças políticas a reedição do velho debate “canhões ou Estado Social”.)
(https://www.e-elgar.com/shop/gbp/the-european-social-model-in-crisis-9781783476558.html)
O que o gráfico que abre este post nos mostra com a incomodidade de uma evidência é que esse encolher de ombros quanto à necessidade de (re) pensar a defesa europeia, e paredes meias com isso, o financiamento da NATO, varia significativamente com a distância das capitais à fronteira com a Rússia. Como diria alguém, “history and geography matter”, e assim o peso das despesas militares no PIB dos países varia em razão inversa com essa distância. Não é por acaso que os países Bálticos, a Finlândia e a Polónia que sabem bem por experiência própria o que é a presença russa ocupam o lugar dianteiro em matéria de peso de despesas em defesa no respetivo PIB. Algo de preocupantemente similar ao “longe da vista, longe do empenho na defesa” percorre o referido gráfico, mostrando que tal como noutras dimensões a solidariedade do esforço na defesa é algo de muito problemático na União Europeia. É bom de ver que a questão não pode ser avaliada apenas pela variável do peso percentual no PIB das despesas em defesa. Para alguns países, entre os quais o nosso, o problema deve também ser aferido em função da massa bruta e absoluta de recursos alocados à defesa. O impacto desse esforço absoluto e relativo depende fortemente do estádio de desenvolvimento dos países e, por isso, no caso português, o que vier a acontecer nessa matéria implica que possa ser reconvertido como fator favorável ao processo de mudança estrutural da nossa economia. Questões como a articulação com a indústria dos bens de equipamento, reindustrialização e valorização e algumas dimensões da investigação e desenvolvimento científico e tecnológico terão de ser integradas na equação e quebrar assim os vícios do foco “canhões ou Estado Social”.
Mas o gráfico é incómodo na sua clareza porque a questão da proximidade ao conflito e à probabilidade da ameaça russa é um problema real na resposta ao desafio de construir uma perceção global e coerente dos cidadãos europeus quanto à necessidade de uma nova política de defesa e segurança. Face ao estado de perigosidade em que a Europa globalmente se encontra, abandonada ao seu destino pela Casa Branca, a importância do “longe da vista” esbate-se totalmente. Toda a distância física é ilusória e mesmo a chamada periferia longínqua, à beira-mar plantada, tem de preocupar-se com o problema. E, desejavelmente, em vez de regressar ao infantil argumento de “Estado Social sim, armamento não” há que capitalizar o mais possível esse esforço do ponto de vista da reestruturação produtiva nacional e, ao contrário do que tenho lido e ouvido, não é apenas uma questão de têxteis técnicos a valorizar.
(1) É com orgulho e alguma saudade que recordo a minha participação e da minha colega Maria Pilar González na obra coletiva The European Social Model in Crisis -Is Europe Losing its Soul?, editada em 2015 pela prestigiada Edward Elgar de Londres sob coordenação da Daniel Vaugham-Whitehead da International Labour Organisation, experiência das mais gratificantes que tive na minha já longa vida profissional e também académica. Agora em Open Access, recomendo a sua leitura.
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