(Jornal Público)
(Para muito boa gente, ontem à noite, a tremideira nacional do Portugal-Dinamarca, que haveria de chegar a bom porto com uma vitória exagerada para o jogo que fizemos, colocou durante algum tempo a significativa vitória de Miguel Albuquerque nas eleições regionais da Madeira num plano mediático secundário. O que talvez tenha sido uma injustiça mediática para uma vitória claramente plebiscitária da posição de arguido do líder regional e, de certo modo, uma resposta estrondosa ao aparato inconcebível do Ministério Público e Polícia Judiciária que desembarcaram com estrilho na Região e que continua a não ter resultados que se vejam em termos de consequências judiciais e criminais. Por isso, muita gente foi ontem derrotada com a vitória de Albuquerque, a começar pelo Ministério Público. Os resultados de ontem que proporcionam a Albuquerque condições de maioria absoluta com coligação ou apoio parlamentar do CDS representam também a validação eleitoral dos que pensam que o eleitorado neste caso regional penaliza quem derruba governos votando favoravelmente moções de censura. Nessa perspetiva, o PS e o Chega são derrotados, mas o JPP, que votou também favoravelmente a moção de censura não sai derrotado do ato eleitoral, reforçando a sua votação parlamentar. Não sabemos se também reagindo ao inaudito desembarque do Ministério Público e da PJ na Região, o eleitorado madeirense votou pela estabilidade governativa e sobretudo pela certeza contra a indeterminação de um Governo regional alternativo, do tipo JPP + PS, que temos de convir é algo de mais incerto do que todos os imbróglios judiciais em que Albuquerque e parte do PSD regional se tenham envolvido. Entre os não vencedores, a derrota do PS é copiosa, pois além de perder o estatuto de maior partido da oposição trocando de posição com o JPP, perde oito deputados regionais, definhando ainda mais a relevância política do partido na Região. Além do mais, mesmo que esgrimindo todas as cautelas de extrapolação nacional do resultado a nível regional, a derrota do PS e a vitória de Albuquerque oferecem combustível precioso à estratégia comunicacional de Montenegro no passa culpas da crise política nacional. Por fim, depois de uma ruinosa passagem do PS madeirense de Paulo Cafôfo em coligação alargada pela governação da Câmara do Funchal, mais se adensa a interrogação de saber o que é que a liderança atual tem para oferecer ao ressurgimento do PS na Região. Com amigos destes, adensam-se as más perspetivas para o 18 de maio de 2025…)
Para quem conheça minimamente a Região, a circunstância de após estas eleições a oposição ao domínio de cinquenta anos do PSD, mesmo enfrentando pelo meio a dura tarefa de substituição de Alberto João Jardim, ser liderada por um partido populista e regionalista/localista como o JPP, com mais de 20% dos votos, é uma consequência esperada das dificuldades da esquerda fazer caminho na Madeira. A esquerda cultural que teve alguma expressão na Região nos tempos da transição democrática de abril de 1974 está perdida em combate e provavelmente reduzida a núcleos de muito pequena dimensão, sem massa crítica para rejuvenescer a presença do PS, facto que é reforçado pela sistemática incapacidade mais recente do PCP e do Bloco de Esquerda para alcançar representação parlamentar.
Desde os tempos da passagem de Paulo Cafôfo pela presidência da Câmara do Funchal, período em que alcançou alguma notoriedade, depois desperdiçada pela desastrada governação municipal, não se conhece ao candidato agora derrotado espessura suficiente para protagonizar um projeto de oposição capaz de singrar no futuro e abalar o poder do PSD. A fratura ainda existente no interior do PSD madeirense entre a liderança e grupo de apoio a Miguel Albuquerque e o grupo que pode considerar-se mais próximo de Alberto João Jardim ameaça mais a estabilidade do partido do que a força da oposição. A transição entre a liderança de Jardim e a de Albuquerque foi algo traumática, está hoje senão resolvida, pelo menos mitigada, mas na altura a ostracização regional de que Jardim foi alvo caiu mal em muita gente e isso deixou marcas que lentamente têm vindo a ser atenuadas e certamente a vitória de ontem contribuirá para dissipar todas as dúvidas.
Obviamente que é difícil fazer oposição não populista na Madeira e não estou aqui a insinuar que Paulo Cafôfo tivesse vida fácil para o conseguir. Mas qualquer projeto bem-sucedido nessa pretensão tem de partir dessa dificuldade objetiva, explicando-a ao eleitorado, e não de possíveis triunfalismos, neste caso determinados pela situação judicial em que Albuquerque se encontra.
O ponto de partida deve ser outro e não pode deixar de passar pela transição de modelo de crescimento e desenvolvimento em que a Região se encontra, trabalhando sobretudo as condições de diversificação produtiva possível para ir além do esgotamento da relação “turismo-imobiliário-infraestruturas” em que se baseou o crescimento da Madeira, mas que dá mostras atualmente de começar a estar exaurida. As questões da coesão territorial, proporcionando aos restantes municípios que não apenas o Funchal condições para participar ativamente no ressurgimento económico da Região constituem outro suporte para uma alternativa.
Não conheço suficientemente o PS regional para prognosticar sobre o futuro político de Paulo Cafôfo e há quem mesmo refira que, nas condições atuais de ausência de protagonismos relevantes, a liderança de Cafôfo vai continuar impávida e serena e alheia ao descalabro da noite de ontem. Noutros momentos talvez pudesse ser assim. Mas nas condições específicas em que as eleições de maio de 2025 irão desenrolar-se, o incómodo para Pedro Nuno Santos da derrota de ontem será talvez pesado demais para que a calma olímpica de Cafôfo se aguente.
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