(Face aos desenvolvimentos das últimas duas ou três semanas, posso dizer que nunca alimentei grandes expectativas de que não tivéssemos pela frente um cenário de eleições antecipadas. Durante largo tempo, o debate público ignorou o facto óbvio de que o governo era precário, embora a vida económica começasse a marcar o tom de que a economia pode funcionar com todo o tipo de governos e de suportes parlamentares. O estilo de governação que a AD impôs apesar da sua natureza parlamentar minoritária nunca foi muito claro em termos do recurso à ameaça das eleições antecipadas, apesar de proclamar aos quatro ventos que não queria eleições. E essa avaliação pessoal mais se acentuou quando dei conta da minha absoluta perplexidade quanto à falta de sensibilidade e ponderação que Montenegro revelou, não compreendendo ou não querendo compreender o imbróglio ético-político em que se deixou envolver. Se tivesse dúvidas, a mais do que estranha estratégia de negociação, uma estratégia muito taticista se assim podemos dizer, seguida ontem no Parlamento, aderindo à tese de Castro Almeida, um ministro com peso no Governo, propondo-se trocar a moção de confiança por uma Comissão Parlamentar de Inquérito domesticada, desfez todas as minhas dúvidas. Nas condições atuais de imprevisibilidade que o presente tempo político apresenta, ir a eleições é para a AD e para o PS senão uma roleta russa, pelo menos algo de muito parecido. Iremos ter até as eleições de maio de 2025 uma sucessão interminável de sondagens que vão revelar, em meu entender, a profunda instabilidade e indeterminação em que o eleitorado se encontra. Essa variabilidade de resultados vai criar falsas ilusões aos dois partidos que podem aspirar governar de que terão acertado ou errado o cálculo político que conduziu às suas decisões de ontem. Assistiremos a um esgrima complexo de passa culpas quanto aos motivos que conduziram à antecipação do ato eleitoral e veremos os prodígios comunicacionais que serão ensaiados de um lado e do outro para passar junto do eleitorado a imagem de partidos inocentados. Em meu entender, porém, o importante será reconhecer que as próximas eleições de maio de 2025 serão apenas um momento de uma transição mais complexa e ainda mais indeterminada do sistema político. É a isso que chamo a TPeC – Transição Política em Curso e que resulta do processo adaptativo que as forças da direita, do centro-esquerda e da esquerda irão atravessar para integrar e responder à chegada ao Parlamento de uma força populista, de direita não democrática e canhestramente alinhada com os ventos que sopram pelo mundo e pela própria Europa. Esta sim é a questão central que importa ser discutida e monitorizada com toda a atenção.)
Ontem, no hemiciclo, André Ventura com os seu costumeiros à-vontade e verborreia dizia, dirigindo-se a Luís Montenegro, que o PSD estava a pagar os custos de ter escolhido o PS para viabilizar a sua governação, sobretudo quando neste último e possível ato de cooperação, o PS já não estava lá. Ventura não é burro e a sua intervenção significa que a primeira força política a experimentar o desafio do referido processo adaptativo é, sem dúvida, o PSD. Creio que Montenegro será uma figura fugaz e passageira nessa transição, provavelmente Passos Coelho tenderá a ser a personalidade a assumir o processo numa fase mais avançada, mas não será de enjeitar a possibilidade de que o próprio Montenegro e o seu grupo mais próximo (com o histérico Hugo Soares à cabeça) queiram levar o processo até ao fim. A dimensão plena do processo adaptativo não é de previsão fácil e as condições em que o próximo ato eleitoral vai decorrer, com a componente plebiscitária do primeiro-Ministro a perturbar o processo, vão tornar menos visíveis as adaptações programáticas do PSD ao novo contexto. Mas, em meu entender, a transição está em curso e veremos as suas incidências concretas em áreas como a imigração, a segurança, o modo como será acomodado na alocação de recursos públicos o reforço dos investimentos na defesa designadamente no Estado Social.
Dificilmente, a TReC não atingirá também o próprio PS. Pedro Nuno Santos e a sua equipa mais próxima terão aqui um desafio gigantesco, já que não haverá tempo para que todo o processo associado aos anunciados Estados Gerais ou qualquer que seja a forma que vá ser escolhida para renovar e rejuvenescer os contributos de novas ideias políticas possa produzir efeitos concretos. Obviamente, que os partidos socialistas não podem ignorar o seu próprio contributo para barrar o caminho às propostas programáticas que emergem da extrema-direita. A dificuldade a isso inerente estará na necessidade de assumir esse contributo sem deixar de marcar as diferenças em relação à direita e ao centro-direita. A marcação dessas diferenças é crucial para responder à pressuposta ideia assumida pelo eleitorado mais jovem (aspeto central da crónica de Clara Ferreira Alves no Expresso on line) de que PS e PSD são massa do mesmo saco.
Bastam estes dois exemplos para mostrar que a transição política em curso é complexa e de maturação alongada no tempo. Tudo indica que as próximas eleições serão apenas um momento (veremos se determinante ou não) nesse processo.

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