quarta-feira, 12 de março de 2025

TPeC – TRANSIÇÃO POLÍTICA EM CURSO

 


 (Face aos desenvolvimentos das últimas duas ou três semanas, posso dizer que nunca alimentei grandes expectativas de que não tivéssemos pela frente um cenário de eleições antecipadas. Durante largo tempo, o debate público ignorou o facto óbvio de que o governo era precário, embora a vida económica começasse a marcar o tom de que a economia pode funcionar com todo o tipo de governos e de suportes parlamentares. O estilo de governação que a AD impôs apesar da sua natureza parlamentar minoritária nunca foi muito claro em termos do recurso à ameaça das eleições antecipadas, apesar de proclamar aos quatro ventos que não queria eleições. E essa avaliação pessoal mais se acentuou quando dei conta da minha absoluta perplexidade quanto à falta de sensibilidade e ponderação que Montenegro revelou, não compreendendo ou não querendo compreender o imbróglio ético-político em que se deixou envolver. Se tivesse dúvidas, a mais do que estranha estratégia de negociação, uma estratégia muito taticista se assim podemos dizer, seguida ontem no Parlamento, aderindo à tese de Castro Almeida, um ministro com peso no Governo, propondo-se trocar a moção de confiança por uma Comissão Parlamentar de Inquérito domesticada, desfez todas as minhas dúvidas. Nas condições atuais de imprevisibilidade que o presente tempo político apresenta, ir a eleições é para a AD e para o PS senão uma roleta russa, pelo menos algo de muito parecido. Iremos ter até as eleições de maio de 2025 uma sucessão interminável de sondagens que vão revelar, em meu entender, a profunda instabilidade e indeterminação em que o eleitorado se encontra. Essa variabilidade de resultados vai criar falsas ilusões aos dois partidos que podem aspirar governar de que terão acertado ou errado o cálculo político que conduziu às suas decisões de ontem. Assistiremos a um esgrima complexo de passa culpas quanto aos motivos que conduziram à antecipação do ato eleitoral e veremos os prodígios comunicacionais que serão ensaiados de um lado e do outro para passar junto do eleitorado a imagem de partidos inocentados. Em meu entender, porém, o importante será reconhecer que as próximas eleições de maio de 2025 serão apenas um momento de uma transição mais complexa e ainda mais indeterminada do sistema político. É a isso que chamo a TPeC – Transição Política em Curso e que resulta do processo adaptativo que as forças da direita, do centro-esquerda e da esquerda irão atravessar para integrar e responder à chegada ao Parlamento de uma força populista, de direita não democrática e canhestramente alinhada com os ventos que sopram pelo mundo e pela própria Europa. Esta sim é a questão central que importa ser discutida e monitorizada com toda a atenção.)

Ontem, no hemiciclo, André Ventura com os seu costumeiros à-vontade e verborreia dizia, dirigindo-se a Luís Montenegro, que o PSD estava a pagar os custos de ter escolhido o PS para viabilizar a sua governação, sobretudo quando neste último e possível ato de cooperação, o PS já não estava lá. Ventura não é burro e a sua intervenção significa que a primeira força política a experimentar o desafio do referido processo adaptativo é, sem dúvida, o PSD. Creio que Montenegro será uma figura fugaz e passageira nessa transição, provavelmente Passos Coelho tenderá a ser a personalidade a assumir o processo numa fase mais avançada, mas não será de enjeitar a possibilidade de que o próprio Montenegro e o seu grupo mais próximo (com o histérico Hugo Soares à cabeça) queiram levar o processo até ao fim. A dimensão plena do processo adaptativo não é de previsão fácil e as condições em que o próximo ato eleitoral vai decorrer, com a componente plebiscitária do primeiro-Ministro a perturbar o processo, vão tornar menos visíveis as adaptações programáticas do PSD ao novo contexto. Mas, em meu entender, a transição está em curso e veremos as suas incidências concretas em áreas como a imigração, a segurança, o modo como será acomodado na alocação de recursos públicos o reforço dos investimentos na defesa designadamente no Estado Social.

Dificilmente, a TReC não atingirá também o próprio PS. Pedro Nuno Santos e a sua equipa mais próxima terão aqui um desafio gigantesco, já que não haverá tempo para que todo o processo associado aos anunciados Estados Gerais ou qualquer que seja a forma que vá ser escolhida para renovar e rejuvenescer os contributos de novas ideias políticas possa produzir efeitos concretos. Obviamente, que os partidos socialistas não podem ignorar o seu próprio contributo para barrar o caminho às propostas programáticas que emergem da extrema-direita. A dificuldade a isso inerente estará na necessidade de assumir esse contributo sem deixar de marcar as diferenças em relação à direita e ao centro-direita. A marcação dessas diferenças é crucial para responder à pressuposta ideia assumida pelo eleitorado mais jovem (aspeto central da crónica de Clara Ferreira Alves no Expresso on line) de que PS e PSD são massa do mesmo saco.

Bastam estes dois exemplos para mostrar que a transição política em curso é complexa e de maturação alongada no tempo. Tudo indica que as próximas eleições serão apenas um momento (veremos se determinante ou não) nesse processo.

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