A noite de ontem e os seus repiques – leia-se, a comunicação de Montenegro ao País, as reações dos partidos políticos e as análises dos comentadores – tornaram definitivamente claras várias evidências que vinham ameaçando tornar-se irrefutáveis. A primeira delas tem a ver com matérias do foro do caráter do primeiro-ministro, que manifestamente deixa a desejar, às quais acresce uma agravante associada ao modo como tal caráter se repercute na sua atuação profissional e política – resultado: uma aflitiva falta de transparência (que o levou a esclarecer coisa nenhuma em complemento das manobras de diversão que realizara na Assembleia) mesclada com uma insolente vitimização (que recupera o mais amadorístico “deixem-nos trabalhar” do cavaquismo cujo expoente é hoje seu tutor e inspiração) e uma demagogia espertalhona de bradar aos céus (do esperançoso voto de felicidades deixado aos filhos à indecorosa presença da totalidade do Conselho de Ministros a seu lado e aos cinco ministros escalados para entrevistas imediatas nos cinco principais canais televisivos de notícias, da subtil chantagem de apresentação de um voto de confiança à descarada passagem de testemunho às Oposições que” instou” a que explicitassem de imediato e “sem tibiezas” o seu posicionamento e respetivos reflexos parlamentares). A única dúvida que me fica é a de saber se Montenegro e a direção do PSD (parece que Leonor Beleza também andou metida nestas mistelas táticas...) entendem que o melhor caminho para si próprios é o de forçar eleições ou o de assumirem a continuidade (necessariamente acrescida) da guerrilha partidária em curso e assim se conseguirem manter no poder a todo o custo.
Mas o aspeto mais rocambolesco da situação esteve na decisão do PCP de apresentar uma moção de censura ao Governo – Pedro Nuno Santos considerou a propósito que os comunistas caíram na esparrela de Montenegro, mas a verdade mais verdadeira estará em que eles quiseram foi entalar o seu inimigo principal (o PS) e simultaneamente procuraram evitar uma alteração da atual conjuntura política, que é a mais favorável ao seu atual estatuto de mero partido de protesto e alimentado pelo estrito ruído das ruas e das negociatas sindicais. Neste quadro, e porque o momento reputacional é melindroso para o PSD e tenderá a ser recuperado a seu favor se a governação prosseguir, a reação dos socialistas talvez devesse seguir a linha que um recente momento lúcido de Assis acaba de avançar: em caso de Montenegro recuar na moção de confiança, proporem uma moção de censura própria e arriscarem tudo num processo eleitoral que, não chegando em ocasião ótima, virá em ocasião suficientemente difícil para o lado do PSD e poderá permitir a Pedro Nuno o benefício de um fôlego de que duvidosamente disporá mais à frente. Aguardemos pelos próximos capítulos.
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