(O António Oliveira das Neves é um colega de profissão, economista andarilho do planeamento como eu e que tem uma valiosa experiência de trabalho na Região Autónoma da Madeira, bem mais alargada do que a minha. Por isso, achei que o seu testemunho escrito sobre as implicações das eleições de domingo passado deveria ser do conhecimento dos leitores deste blogue. Partilhamos o mesmo respeito pelo valor sagrado da autonomia regional e por isso gostaríamos que a Região reunisse condições para ultrapassar o bloqueamento da transição do seu modelo de desenvolvimento. Não é frequente este blogue recorrer a testemunhos por convite, mas neste caso julgo ser do interesse dos leitores tomar contacto com esta visão sobre a Região. Aqui está o texto, com agradecimentos ao AON por ter aceite partilhar a suja reflexão com os nossos leitores …)
“Esta nova maioria do PSD Madeira arrisca ampliar condições para o bloqueamento da Região, na medida em que os resultados expressivos legitimam:
# os atos que o Ministério Público investigou com abundante prova que motivou a constituição de vários arguidos, indiciados por crimes que lesam as finanças regionais e desacreditam os esforços honestos dos cidadãos;
# uma trajetória de decisões de ordenamento e desenvolvimento à revelia de instrumentos estratégicos e de regulação, afunilando um modelo de acumulação que subordina valores naturais e identitários;
# a ausência de políticas setoriais credíveis em domínios-chave para a RAM (economia e turismo, educação e formação, saúde, transportes,...) e sem protagonistas com capacidade negocial, a nível nacional e europeu;
# o caciquismo na maioria dos concelhos, com a rede das Casas do Povo, as paróquias, as IPPS e a distribuição dos subsídios agrícolas;
# as políticas sociais, que na vertente dos equipamentos para idosos são, cada vez mais, atribuídos a entidades sem orçamento para cobrir contrapartidas, dando entrada a interesses privados que adiantam, com cobertura do Orçamento e dos fundos comunitários, questionando dimensões regulamentares;
# o falhanço dos investimentos avultados na Inovação, sem retorno e desperdiçando orientações diferenciadoras constantes da RIS 3;
# o desaproveitamento dos mecanismos RUP (ZFI e CINM) na negociação séria para a atração de Investimento Direto Estrangeiro;
# a inação empresarial, sem capacidade de investimento, atuando em setores protegidos e sem contribuir para a diversificação económica e a dependência da sobre especialização do complexo turismo-imobiliário;
# a paralisia da função regulatória em diversas áreas críticas da ultraperiferia, com reforço da rede de dependências do Governo;
# a fuga de competências, desperdiçando o investimento público, das famílias e dos jovens;
# o crescimento do individualismo salve-se quem puder, num quadro de dissolução social, tão afastado das mensagens cívicas e culturais que marcaram no dealbar dos anos setenta do século XX, a geração Comércio do Funchal.
Ao longo dos 33 anos de colaboração esclarecida, com várias instâncias regionais, num esforço empenhado em apontar rumos e políticas para um salto de escala das organizações, das pessoas, do território, confesso-me derrotado.
A Madeira merece mais sendo certo que o futuro vai exigir muito mais à Região, ao Governo, às organizações e à massa crítica que resistir à tentação da saída, na margem estreita da sobrevivência, com coluna”.
A.Oliveira das Neves
Sem comentários:
Enviar um comentário