segunda-feira, 17 de março de 2025

INTERIORES PRÓXIMOS E REMOTOS

 


(Foi hoje publicado no Jornal de Notícias, mais propriamente na página 23, o meu artigo acima designado, enquanto associado convidado do Círculo de Estudos do Centralismo.

A minha visão sobre o conceito de interior é um pouco crítica e tento fundamentar o meu criticismo, trazendo para a reflexão uma perspetiva mais matizada do território continental. Não sei se o Círculo apreciará muito esta minha perspetiva mais matizada, mas como se diz na série de artigos do JN "as opiniões não vinculam o Círculo".)

"Quando no início dos anos 70 concretizava a minha formação em economia, curiosamente era a obra de um emérito sociólogo, Adérito Sedas Nunes, que inspirava a abordagem inicial à economia portuguesa. O dualismo económico e social, com a sua configuração litoral-interior, dominava o entendimento das assimetrias de desenvolvimento territorial. Um pouco mais tarde, o Professor Simões Lopes, a quem devemos a matriz originária da abordagem do desenvolvimento regional em Portugal, integrando-a virtuosamente num conceito global de desenvolvimento, haveria de aprofundar esse paradigma das assimetrias litoral-interior.

Cerca de 50 anos passados, podemos questionar se esse paradigma de abordagem continua válido ou se, pelo contrário, deveremos ir em busca de um outro modelo de abordagem ou narrativa para compreender os problemas de desenvolvimento territorial do país e as suas profundas assimetrias. Devo aqui explicitar o conflito de interesses de que pertenço ao grupo dos que sentem que a abordagem litoral-interior já não é capaz de nos assegurar satisfatoriamente uma interpretação consistente das dinâmicas territoriais. O âmbito limitado deste artigo impede-me de vos fornecer uma completa demonstração do meu argumento. Quero apenas salientar que a realidade “interior” é demasiado simplista para fundamentar políticas públicas consequentes.

Se, por um lado, o chamado interior remoto está longe de ser homogéneo do ponto de vista do seu potencial de desenvolvimento, exigindo por isso uma inteligente atenção aos ativos que podem fazer a diferença e alavancar desenvolvimento nesses territórios, mais recentemente as dinâmicas territoriais fizeram emergir o que designo de interior próximo ou periferias de proximidade face aos centros mais dinâmicos do litoral. Os incêndios constituem sempre um fator de evidenciação de vulnerabilidades. Os de 2024 mostraram-nos a péssima combinação entre pobreza, densidade de povoamento relativamente elevada e desordenamento flagrante do território e a necessidade de políticas públicas consequentes para combater esse flagelo. Os de 2016 e 2017 mostraram-nos, pelo contrário, a exigência absoluta de promover a resiliência da baixa densidade.

O meu argumento está agora mais claro. O conceito de interior é demasiado homogéneo e redutor para potenciar políticas públicas consequentes. A diferenciação entre interiores remotos e interiores próximos é uma primeira tentativa de ir além desse paradigma redutor. Em ambos, é imperioso combater a atomização de iniciativas, promover a cooperação de recursos e com essa cooperação desafiar o centralismo das políticas públicas a adaptar-se a uma territorialização consequente e a apostar na iniciativa e capacidade de organização do tecido institucional que vai animando o desenvolvimento local desses territórios, com os municípios à cabeça, mas não só e apelando à organização criativa da sociedade civil local. As instituições localizadas nos territórios mais dinâmicos e pujantes do continente, designadamente as de investigação científica e tecnológica, não podem ignorar a responsabilidade cívica e democrática de disseminar o conhecimento que produzem nesses territórios mais desfavorecidos de iniciativa. Mas, para isso, necessitam de ajudar a consolidar parcerias capazes de absorver esse conhecimento. As dinâmicas mais recentes evidenciam que algo de novo está a acontecer na tal diversidade dos territórios interiores. 

A emergência de centros de produção de conhecimento e inovação em torno de recursos endógenos representa uma base alternativa para acolher a cooperação com os centros mais pujantes do território continental. É toda uma mudança de paradigma que esses novos ativos antecipam.

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