(Os Portugueses estão permanentemente inebriados pela sua pressuposta especificidade. Na minha vida profissional, lido, frequentemente, com esta obsessão para o reconhecimento da nossa especificidade. Tenho para mim que ela resulta em grande medida do nosso fraco cosmopolitismo, conhecemos pouco os outros e por isso temos uma tendência exacerbada para encontrar especificidades que são apenas minudências e não se relacionam com a essência dos problemas. Nessa orientação, muito boa gente pensou que também na política seríamos específicos e diferentes. As ondas plebiscitárias e populistas da política seriam coisas de lá de longe, enquanto por cá subsistiriam os últimos moicanos da decência política. Esta convicção começou a ser abalada com a emergência do Chega e com os 50 deputados no Parlamento, especialistas na arruaça e no insulto gratuito, trazendo à República verdadeiros tesourinhos deprimentes que facilitam o trabalho a Ricardo Araújo Pereira e à sua equipa. A aceleração do tempo político observada nos últimos dias e que deu origem à mais patética invocação à mediação política que Marques Mendes protagonizou, tentando suster a trajetória para eleições antecipadas, constitui para mim a evidência mais sólida de que a pressuposta especificidade portuguesa da decência política acabou e que aí estamos nós a caminho da onda que cavalga as democracias do mundo civilizado. Pessimismo de alguém que começa a não compreender o seu entorno? Não tenho qualquer pretensão a ser portador da Verdade, mas creio que as cartas estão lançadas para a política virar plebiscito...)
A reação do PSD à teimosia de Luís Montenegro, pelo menos dos seus membros com mais acesso ao espaço mediático e, de facto, o grupo de governantes que se tem multiplicado em várias aparições públicas para controlar desde cedo as narrativas das novas eleições já claramente não governa, é o indício mais sólido que o partido está já refém da ilusão plebiscitária das novas eleições.
É para mim uma questão inconsequente discutir se Montenegro tem ou não noção plena e cabal do conflito de interesses em que se deixou mergulhar. Não acredito de todo na inocência em política. Montenegro não dá o braço a torcer, porque afinal a sua conceção da política é a de facilitador e, como dizia ontem Clara Ferreira Alves no Eixo do Mal, de broker de interesses. A política para ele é isso e daí que conviva bem com exercer o cargo de primeiro-Ministro sem resolver ou dissolver as avenças que a sua empresa recebia, independentemente de ser ele a prestar o serviço a quem lhe pagava.
Na aceleração desta questão, o que vemos é o PSD mediático a acreditar que se vencer as eleições isso representará um plebiscito à sua decisão de ignorar os conflitos de interesses em que estava envolvido. O que significa para mim que um dos partidos fundadores da democracia em Portugal está rendido à onda plebiscitária que circula pelo mundo, como se a tenebrosa experiência de Trump também cavasse fundo em Portugal e inspirasse os “trumpismos” de meia tigela.
O que vamos ter nos próximos dois meses é um puro exercício de roleta russa de um primeiro-Ministro que pretende validar com uma vitória eleitoral as suas próprias incongruências democráticas. Sabemos que na roleta russa há quem perca e quem ganhe.
Tenho para mim que muito será jogado nas mais que prováveis eleições de maio de 2025. Penso que ninguém de juízo perfeito será capaz de antecipar hoje os resultados da roleta russa que Montenegro se propôs jogar. Tudo dependerá em grande medida do que vai passar-se até às datas equacionadas por Marcelo Rebelo de Sousa, também ele algo atónito com a aceleração do tempo político. E o que vai passar-se não será bonito de ver-se e impróprio para gente decente. Levanta-se, assim, a grande interrogação de saber como o eleitor mediano vai agir neste ambiente plebiscitário.
Por mais dramático que isso possa parecer, não só Montenegro jogará em maio o seu futuro político. Também Pedro Nuno Santos e o PS pós António Costa enfrentarão o desafio da sua relevância ou irrelevância.
A personagem Luís Montenegro nunca me enganou, apesar de reconhecer a sua rápida aprendizagem no exercício concreto do poder. Mas a sua conceção da política como videirinho teria que vir ao de cima na espuma dos acontecimentos e aí está ela a conduzir a política portuguesa para a via plebiscitária.
Haverá ainda alguém a clamar pela nossa especificidade?
Talvez seja tempo de reler Max Weber e os seus conceitos de democracia direta, democracia parlamentar e democracia plebiscitária.
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