sábado, 1 de março de 2025

PLANO INCLINADO OU QUEDA LIVRE?

 


(Continuo chocado e incomodado com o que as televisões nos trouxeram da Sala Oval, com o vergonhoso ato de bullying em direto de que Zelensky foi alvo, perante Trump e o seu cão de fila J.D. Vance. O exercício descarado do poder absoluto perante alguém que procura minimizar as perdas do seu povo é um verdadeiro ultraje a anos a fio da democracia americana e ilustra bem o que espera o mundo. Estou chocado com aquilo que foi encenado para todo o mundo ver e daí que recorra hoje a uma longa citação de alguém que tem estudado o tema da democracia em profundidade, com a chancela da universidade de Stanford. É assim melhor ler o que Americanos prestigiados pensam da deriva iniciada por Trump. Essa personalidade é o sociólogo Larry Diamond, professor de ciência política em Stanford e utilizo por isso o seu pensamento para mitigar a minha impotente fúria...)

O título das suas palavras é sugestivo: “A América de Trump é uma queda livre, não um plano inclinado, para a tirania”. Sim, da tirania da mais explícita. É uma inteligência de Stanford que o diz:


“Passado um simples mês do seu segundo mandato como presidente, Donald Trump e os seus apoiantes leais no governo estão já a representar um grave risco para os fundamentos legais, constitucionais, e normativos da democracia Americana.

Desta vez, não há figuras pesadas na sua administração a querer colocar a Constituição acima da lealdade pessoal para com ele. Desta vez, Trump e a sua equipa MAGA tiveram quatro anos para planear um assalto mais concertado aos checks e balances democráticos. E desta vez, Trump e os seus apoiantes leais têm uma longa agenda de vingança contra um vasto conjunto de atores que eles acreditam ter investido contra eles e que querem agora punir e subjugar.
Tendo ganho a Presidência de forma inequívoca, Donald Trump ganhou o direito de propor e em muitos casos implementar novas e radicais direções políticas. Mas não tem o direito de violar a lei, a Constituição e as liberdades cívicas dos Americanos indo por esse caminho.

Primeiro, a crise da democracia Americana está agora diretamente sobre nós. Múltiplos atos ilegais e inconstitucionais estão a acontecer e os limites que fiscalizam e restringem o abuso autoritário estão rapidamente a ser destruídos.

Segundo, estamos a ir de mal a pior. Trump está a seguir uma agenda autoritária para destruir o governo constitucional que foi amplamente implantado nas duas últimas décadas. A via para o autoritarismo na América consiste na subversão dos nossos checks and balances constitucionais. Trump moveu-se rapidamente Nessa direção e está aí muito mais para vir…

Terceiro, o deslizamento democrático está a evoluir rapidamente agora em parte por falta de resistência. Parte desse vazio deve-se à confusão e divisão na oposição (os Democratas), em parte também devido ao oportunismo e submissão entre os congressistas Republicanos, em parte também devido a decisões táticas de atores-chave nos negócios, nos media e na burocracia para concordar por antecipação, em parte ainda devido a oportunismo e medo. O medo é o denominador comum em tudo isto – palpável, paralizador e muito justificável medo. O medo está impregnado. Essa esta a indicação mais visceral que a América entrou numa era existencial para o future da democracia…

As ameaças para a democracia Americana são agora imediatas, sérias e a aumentar de dia para dia. Todavia, é possível contê-las. Para o conseguir é necessária uma estratégia militante nacional e de múltiplas frentes… O tempo é de coisas essenciais. A chave está na união da defesa dos nossos cheks and balances, em vez de argumentar que todas as iniciativas políticas de Trump são ilegítimas. Os mercados encarregar-se-ão de cuidar das políticas aduaneiras estúpidas e auto penalizadoras da economia americana.

Donald Trump não falou a verdade quando disse que seria um ditador no 1º dia. Ele aspira a sê-lo pelo menos para quatro anos e provavelmente além disso. Mas é importante separar orientações políticas que são cruéis e desumanas, e que penalizarão os próprios objetivos da Presidência, das que são antidemocráticas do ponto de vista legal ou nos motivos e efeitos.

Pode implicar alguma especificidade chamar a atenção para que isto está a ser feito para contrabalançar o facto da ajuda externa não representar senão 1% do orçamento federal. Mas não é necessariamente inconstitucional ou mesmo antidemocrático, sobretudo para presidentes que fazem coisas cruéis, curtas de vista e dececionantes …

Tudo isto se torna ilegal. Inconstitucional e não democrático quando é feito unilateral e arbitrariamente, passando ao lado do Congresso e a sua proeminente autoridade para obter os fundos apropriados … O presidente não tem autoridade por sis ó para suspender todos os fluxos de ajuda externa, muito menos de acabar com eles e muito menos eliminar toda uma agência criada e todos os anos financiada pelo Congresso …

O catálogo das ações presidenciais de Trump que desafiam a lei e a Constituição estão a aumentar rapidamente. No primeiro dia do seu mandato presidencial, Trump ordenou o fim da cidadania por nascimento para imigrantes não documentados, procurando com o simples acionar da sua caneta por de lado a 14ª emenda da Constituição. Quatro juízes federais bloquearam essa ordem executiva. Sexta-feira dia 24 de janeiro, Trump despediu 17 inspetores gerais em departamentos e agências governamentais …

A questão mais premente coloca-se se os tribunais federais chegarem a uma clara e definitiva conclusão de que alguns (ou mesmo muitos) destes atos forem inconstitucionais ou ilegais e mesmo assim Trump os levar avante de modo desafiante. “Nunca houve um exemplo claro de um desafio aberto e intencional de um presidente que o tenha feito, contrariando ordens de tribunais desde 1865”. Isso pode, porém, agora acontecer.

O juiz federal que tomou a referida decisão avisou que contrariar ordens de tribunais pode provocar que os indivíduos em questão sejam levados a tribunal. Isso parece ser um importante passo no sentido de restaurar a visão fundadora de um governo federal com três ramos distintos e checks and balances recíprocos. Temos de compreender que a perspetiva mais importante do génio constitucional de James Maddison é o ditame de que “a ambição deve ser aplicada para contrariar a ambição”. Mas através de um tweet de 9 de fevereiro, segundo o qual os juízes não serão autorizados a controlar o poder executivo legítimo, o vice Presidente J.D. Vance pode estar a colocar as bases para restaurar uma era de caos constitucional que não existia desde a Guerra Civil.

Relativamente, ao terceiro ramo do governo, o Sistema judicial, o pesadelo mais trágico seria se o presidente Trump contrariasse uma sentença final por parte do Supremo Tribunal numa qualquer matéria. Mas se o Supremo Tribinal assumir radicalmente a teoria da unidade do executiv passando ao lado de decisões anteriores, por exemplo, o despedimento ilegal de funcionários federais, isso equivaleria a minar o future da democracia Americana …

A última linha de defesa é a sociedade civil. A democracia liberal sobreviveu e prosperou nas economias capitalistas mais ricas devido à densidade e vigor de organizações políticas independentes, de grupos de interesses, de instituições religiosas, dos media, de think-tanks e universidades, e devido à força dos negócios independentes que não dependem do estado dos seus mercados. Esses grupos constituem um layer de capacidade autónoma para organizar e mobilizar em presença do abuso, ilegalidade e tirania incipiente. Mas neste século, esta vital dimensão Tocquevilliana da vitalidade democrática nos EUA foi significativamente sujeita a pressões pela intensidade da polarização política e pela queda da confiança em alguma ou em todas as instituições governamentais.

Muitos homens de negócios apoiaram Trump politicamente, acreditando simplesmente que a sua intenção de cortar os impostos sobre os rendimentos das empresas e das pessoas e de reduzir a regulação governamental poderia abrir uma nova era de investimento e crescimento. Esses homens de negócios querem privilegiar as suas preferências em matéria de interesses financeiros e política económica, tendo por isso influenciado por vezes de modo relutante o seu apoio a Trump. Nunca estiveram satisfeitos com a “agenda DEI”que lhes foi imposta pelas administrações e deputados constituintes da esquerda e centro, esperando por isso que todos os excessos imperiais de Trump se apresentem como promessas não concretizadas e de impacto reduzido. Dificilmente estarão preparados para a ferocidade do que está para vir e muitos analistas questionam até que ponto não mudarão de opinião antes que o caos de uma presidência autoritária comece a impactar a estabilidade económica e social nos EUA, o que acontecerá de facto.”

Esta longa citação de Larry Diamond é premonitória de muita coisa. Mas encontrei nela uma perceção real do que se passa nos EUA. Por isso a partilhei.

Não deixa de ser curioso que tenha sido um australiano a indicar-me esta fonte.

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