segunda-feira, 17 de março de 2025

QUESTÕES DE SOCIOGENÉTICA

 


(A leitura atenta do New York Times internacional, edição de fim de semana, na pracinha de Caminha quando o sol é convidativo e o vento não intimida é uma permanente fonte de inspiração e muitos posts deste blogue foram urdidos a partir dessa leitura, sempre que a conversa com amigos não se sobrepõe a esse ato introspetivo. Mas os tempos da convivialidade com Amigos próximos e regulares daquele espaço já foram mais ricos do que agora, ficando sempre com a sensação de que a demografia, o envelhecimento e as maleitas associadas têm contribuído para que menos gente conhecida apareça por aquelas paragens. Há que aproveitar enquanto as maleitas não nos batem à porta e sobretudo a possibilidade do NYT ir resistindo à quebra de liberdades que a disrupção Trump está a trazer aos EUA. O artigo deste fim de semana que despertou a minha atenção é um ensaio relativamente longo de Dalton Conley, professor de sociologia em Princeton e membro associado do Centro de Genoma de Nova Iorque e versa sobre questões de sociogenética, domínio disciplinar que os anglo-saxónicos designam de sociogenomics. Pode perguntar-se porque raio um modesto professor de Economia deve interessar-se pelas questões da genética e da sociogenética? A resposta é simples e cruza-se com os meus velhos interesses da economia da inovação e do conhecimento, aprofundados quando lançámos na FEP essa disciplina e quando tive de mergulhar bem fundo no evolucionismo económico. Nesses saudosos tempos, guiado pela obra-farol do economista recentemente desaparecido, objeto de obituário neste blogue, Richard R. Nelson, tive oportunidade de estudar comparativamente os avanços do evolucionismo económico com outros evolucionismos como o biológico propriamente dito ou o cultural. A sociogenética, independentemente do seu estádio de maturação, que me parece ainda bastante preliminar, vem trazer novas respostas possíveis à questão de saber quem somos e como chegámos até aqui.)

O artigo de Conley inicia-se invocando a célebre oposição “nature versus nurture” (natureza versus criação) suscitada por Sir Francis Galton há cerca de 150 anos e que iniciava um longo debate entre os que afirmavam a hereditariedade como fonte de todas explicações em contraponto à influência de moldagem do meio em que inscrevemos as nossas vidas. O que a sociogenética vem trazer a este velho debate é a complexa interação entre as influências dos genes e do ambiente. No fundo querendo significar que os genes e o ambiente influenciador não operam isoladamente, mas que se influenciam reciprocamente. O resultado é uma espécie de fusão entre as ciências do comportamento e da genética. O princípio de base a considerar é que a influência dos genes será algo que transcende os efeitos no nosso corpo e personalidade para exercer efeitos também sobre os ambientes em que inscrevemos as nossas vidas. Por outras palavras, tudo se passaria como se os nossos ambientes de inserção (trabalho, cívicos, culturais, políticos, etc.) fossem em parte feitos dos e pelos genes das pessoas que nos rodeiam.

Esta nova abordagem vem reconsiderar tudo o que era esperado a partir dos significativos avanços que a investigação sobre o genoma veio possibilitar. Pensou-se, assim, que a descoberta das origens genéticas de características como a obesidade, a inteligência, a propensão para doenças crónicas e mesmo os traços individuais de personalidade pudessem ser objeto de investigação farmacêutica e clínica, gerando a esperança de erradicação de muitas maleitas.

Duncan Conley fala da prática atual de construção de complexos índices poligénicos, matéria que sinceramente desconhecia, e que tanto podem ser promissores como aterradores. Promissores na condução de terapêuticas e aterradores se, por exemplo, as companhias de seguros os começam a aplicar na seleção dos seus clientes e na determinação dos preços dos mesmos, revolucionando o cálculo atuarial.

De qualquer modo, a possibilidade de aprofundar o conhecimento sobre o modo como os ambientes em que nos integramos moldam a expressão da nossa propensão genética abre novos campos de interação na velha relação de Galton “nature versus nurture”. 

Dei comigo rapidamente a pensar sobre as implicações que a sociogenética pode trazer ao evolucionismo económico. Neste último, como sabemos, o equivalente aos genes são as rotinas organizacionais e procedimentais das empresas que se exercem sobre ambientes de mercado em que a concorrência molda comportamentos futuros. Mas se incluirmos nesta análise a disrupção que a inovação provoca (alterações de rotinas organizacionais e procedimentais para alcançar uma diferenciação e inimitabilidade mais ou menos duradoura), temos de considerar que os ambientes em que as empresas operam serão também influenciados por essa propensão genética. Até porque em certa medida as práticas de inovação visam alterar o ambiente concorrencial, disputando um maior poder de mercado para os mais intensamente inovadores. Nessa mesma medida, a influência do meio sobre as empresas tenderá a ser alterada e assim teremos a relação de interação entre “nature e nurture” também alterada.

Fico com a sensação de que a procissão ainda nem sequer saiu do adro. E aqui fica o resultado de uma reflexão expedita numa manhã fria mas bastante ensoleirada de domingo com a ajuda do New York Times.

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