terça-feira, 18 de março de 2025

MALEFÍCIOS DO PRR?

 


(O meu colega de blogue já se referiu com pertinência à saga do PRR e ao desajeitado contributo do Presidente Marcelo para que os olhares dos Portugueses estejam concentrados na sua execução e não na qualidade e alcance estratégico do que vai sendo apoiado e concretizado. A obsessão de Marcelo com o PRR faz parte do conjunto de factos e comportamentos que têm feito baixar os índices de popularidade do Presidente a níveis que uns anos atrás julgaríamos fora de questão. Mas a verdade é que um dos Presidentes mais bem preparados para o exercício da função e com um arranque de popularidade nunca alcançado está hoje em dificuldades para acabar o seu mandato com alguma recuperação de aceitação pública. O artigo de Henrique Monteiro no Expresso on line ocupa-se disso e para ele remeto os leitores interessados nesse tema. Não vou discutir as razões que têm levado Marcelo a um abismo de popularidade. Vou antes centrar-me no enorme erro dele ter contribuído e não abdicar dessa deriva para maximizar de forma doentia a obsessão política nacional com a execução do PRR e dos Fundos Europeus em geral, em detrimento de uma saudável e construtiva discussão sobre o alcance estratégico dos projetos ou operações de investimento que têm vindo a ser apoiados. Integro nesta reflexão uma evidência que me foi proporcionada por um painel de discussão realizado com entidades que integram o Comité de Acompanhamento do Programa de Assistência Técnica 2030, inserido nos trabalhos de avaliação da operacionalização daquele Programa que estou a coordenar. Esse painel de discussão foi realizado numa sessão mista presencial e on line, nas magníficas instalações do Museu-Casa Aristides de Sousa Mendes em Cabanas de Viriato, Carregal do Sal, região Centro de Portugal. O debate teve lugar no pequeno e excelente auditório construído a partir da garagem onde o célebre veículo automóvel da família Aristides Sousa Mendes era guardado, um estranho veículo que permitia deslocar 17 pessoas e a vasta prole da família Mendes. Não tive então oportunidade de referir neste blogue a qualidade da Casa-Museu, onde nos foi facultada uma competente visita, mas fica aqui com atraso de alguns dias o voto de que as 24.000 visitas que a Casa-Museu teve desde a sua abertura ao público, pouco mais de 5 meses, possa continuar o seu sustentado ritmo de crescimento, pois o material é excelente e adquire nos tempos que correm uma importância irrecusável.)

A ideia central que esse painel de discussão trouxe à minha já longa reflexão sobre as condições concretas de utilização dos Fundos Europeus e do PRR em particular está relacionada com as questões de comunicação dos Fundos Europeus em geral. Já escrevi repetidas vezes, designadamente em trabalhos de avaliação de acesso aberto e público, que a comunicação dos Fundos Europeus tem um sério problema de relacionamento com as agendas mediáticas dos principais órgãos de comunicação social nacionais. Estas agendas privilegiam despudoradamente todas as questões que evidenciem problemas ou irregularidades de funcionamento ou execução, se houver fraudes então é um festim, claramente em desfavor de comunicar boas práticas e projetos de excelente qualidade que têm sido apoiados e concretizados, já para não falar de casos de políticas públicas praticamente financiadas por Fundos Europeus. Já me aconteceu, com espanto meu, aliás verbalizado nessas sessões, estar a apresentar resultados de trabalhos de avaliação em sessões organizadas por jornais prestigiados, pagos pelos Programas em avaliação para organizar tais sessões e, mesmo assim, a deriva de focar os aspetos menos conseguidos em detrimento das boas práticas e resultados positivos acontecer.


O que a discussão realizada no auditório da Casa-Museu Aristides Sousa Mendes trouxe de novo foi o relato de alguns programas do PT2030 segundo o qual a comunicação do PRR tem canibalizado a comunicação desses programas, tamanha é a pressão pública e política para acentuar os problemas de execução do PRR. O caráter extraordinário do financiamento PRR e o facto da sua execução estar condicionada a um período mais curto do que o do PT2030 criou desde o início um caldo favorável para que a comunicação do PRR canibalize a do PT12030. Mas há um outro facto que tem favorecido a proeminência comunicacional do PRR e não estou a falar neste caso da obsessão de Marcelo. A monitorização do PRR é feita em função de metas (indicadores físicos) e de marcos intermédios a alcançar, o que constitui um irrecusável apelo à comunicação. Pelo contrário, o PT2030 tem insistido fortemente na execução financeira, que não tem o caráter apelativo das metas e dos marcos.

Absurdo dos absurdos, os programas do PT2030 estão também sujeitos a metas finais e intermédias e por isso poderiam partilhar esse aspeto comunicacional apelativo. Mas o que tem acontecido é que o Sistema de Informação PT2030, por razões que a razão desconhece, tem tido dificuldade em publicar de modo atempado indicadores de execução física dos Programas, gerando este enorme absurdo: existem razões apelativas para que a comunicação do PRR canibalize a comunicação dos programas do PT2030 e, apesar disso, este último debate-se com problemas de informação sobre a sua execução física, tendo de refugiar-se na menos apelativa execução financeira.

Como diria o obsessivo Presidente Marcelo, isto não lembraria ao careca …

Obviamente que as minhas críticas ao foco obsessivo na execução dos Fundos e do PRR em particular não significam que não esteja atento a essas questões, sobretudo do ponto de vista das condições de absorção de Fundos. Há essencialmente duas questões que colidem com execuções rápidas e no tempo programado. Por um lado, o setor da construção civil enfrenta uma penúria de mão de obra que está longe de estar resolvida e dizem-me que do ponto de vista empresarial não recuperou ainda da tragédia da Grande Recessão (2007-2008) e crise das dívidas soberanas. A destruição abundante de empresas não foi ainda plenamente reposta. Por outro lado, os aspetos jurídico-políticos da contratação pública estão longe de ter atingido um equilíbrio razoável entre celeridade e preservação de condições anticorrupção, abrindo um campo infindável de imbróglios jurídicos e atrasos de contratualização. Mas enganem-se aqueles que consideram que só existem problemas de execução em projetos que impliquem construção civil. Mas essa é outra conversa, para noutras ocasiões desenvolver.

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