(A noite política de ontem atormentou-me a curta passagem por Seixas, com toda a agitação que a canhestra comunicação ao país de Luís Montenegro provocou entre os atores políticos e comentadores de serviço. Com um governo em peso a defender a sua pele, tentando prolongar a sua experiência de governo minoritário tanto quanto o possível, a intervenção do primeiro-Ministro, único responsável por toda esta situação que anuncia crise política, é um profundo malabarismo político, através de uma pressuposta apresentação de moção de confiança que seria concretizada se ninguém no Parlamento apresentasse uma moção de censura. Aliás, menos de duas horas depois de um não menos canhestro pronunciamento do PCP e da reiterada declaração de Pedro Nuno Santos de que não viabilizaria nenhuma moção de censura, a moção de confiança regressava ao que era de início, apenas magia política para encobrir um primeiro-Ministro que decidiu não dar importância a um clamoroso conflito de interesses em que ele próprio se colocara, de forma indigna para o exercício da função. O meu colega de blogue já se referiu ao assunto e, por isso, pretendo apenas discutir uma palavra que dominou a noite em conjunção com a de crise política – a palavra estabilidade. Em meu entender, as crises políticas pertencem ao universo da democracia e sou dos que defende que a estabilidade não é em política um valor absoluto, mesmo considerando o tempo de indeterminação global que atravessamos, por integrarmos uma União marginalizada e que não soube a tempo destruir os cavalos de Troia nela infiltrados. Considero que, tal como se configura a estabilidade que vamos viver se o PS não se mobilizar para ir a votos, entraremos numa paz podre que só irá favorecer o Chega nos seus propósitos destrutivos. O primeiro-Ministro será cozinhado em lume brando, perdendo toda a força necessária para governar em condições e o PS de Pedro Nuno Santos continuará a dar sinais de recear o confronto eleitoral. Com estabilidade desta natureza, estaremos aviados e, ao contrário do que o PS pensa, quanto mais tempo prolongar essa indecisão mais eleitoralmente enfraquecido ficará, o que significa que todo o arco da governação estará enfraquecido...)
Os esclarecimentos que Alexandra Leitão explicitou ontem no painel da SIC Notícias que o PS considera ser necessários para que Montenegro possa governar são algo frouxos para justificar o nervosismo da sua liderança política. O que ontem ficou demonstrado com a comunicação de Luís Montenegro é que temos um primeiro-Ministro que não consegue compreender o perigoso e inenarrável conflito de interesses em que se colocou. Discutir com ele a questão se exerceu ou não em exclusividade a sua função é um debate estéril e que não conduzirá a nada. O que vale a pena discutir é que Montenegro não conseguiu entender, jurista que é, que esteve a governar protagonizando um claríssimo conflito de interesses durante muito tempo e que só reagiu a reboque e não por ter tido uma luz de esclarecimento próprio. E não é uma questão de erro de comunicação a que agora tudo se resume em política. Não, não é apenas um erro de comunicação. É a demonstração de uma evidência. Não ter compreendido a situação de conflito de interesses em que se encontrava.
Como é possível confiar numa liderança de governo que não compreende esta situação?
Por seu lado, ajudando a não clarificar esta situação, o PS cava em meu entender a sua própria sepultura eleitoral, preso ao taticismo de entender que não é tempo de eleições.
Será que o PS consegue obter do primeiro-Ministro a confissão de que não entendeu que se tratava de um conflito de interesses? Certamente que não. Assim sendo, invocar o valor da estabilidade como algo de absoluto parece-me estratégia mole.
Estou curioso em saber o que Marcelo vai acrescentar a tudo isto. Muito provavelmente engrossará a coluna dos que prezam a estabilidade como valor absoluto. Posso estar obviamente enganado. Mas desta estabilidade pouco poderemos esperar, a não ser a contínua degradação do chamado arco da governação.
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