domingo, 30 de março de 2025

RELEMBRANDO HANNAH ARENDT, SEMPRE

 


(A ideia de que a sociedade americana foi sempre um oásis de liberdades é algo peregrina e ignora, por exemplo, os tempos do Macartismo, em que a privação dessas liberdades atingiu muita gente. À boleia de Nicholas Gruen, que edita um excelente substack, é possível relembrar palavras duras de Hannah Arendt sobre esse período. Arendt e o seu marido Heinrich Blüncher tinham obtido a nacionalidade americana, ela em dezembro de 1951 e ele no início de 1952, pelo que os seus pronunciamentos sobre as trevas do macartismo implicavam risco pessoas, já que a possibilidade de retirada da nacionalidade era real e outros sentiram-no na pele quando se pronunciaram sobre a privação de liberdades fundamentais. As passagens que Gruen identifica como pronunciamentos claros de Arendt contra a situação que se vivia então na sociedade americana provêm de diferentes fontes, uma das quais uma carta pública da ensaísta e jornalista ao filósofo Karl Jaspers. São palavras duras que adquirem todo um outro significado se as contextualizarmos à luz da experiência de Arendt com o fascismo.)

Comecemos pelo excerto da carta a Karl Jaspers: 

Pode ver até que ponto a desintegração chegou e com essa velocidade de cortar a respiração ela aconteceu e até agora com muito pouca resistência? Toda a indústria do entretenimento e em menor extensão as escolas, os liceus e as universidades foram arrastadas para isso. Em todos os domínios acontece sem uso da força e sem qualquer terror. E ainda assim aprofunda o seu caminho de modo cada vez mais profundo na sociedade.  Estão a introduzir os métodos policiais na vida social normal sem exceção, e identificam nomes. Fazem agentes policiais deles próprios depois do facto consumado. Deste modo, o sistema compulsivo está a ser integrado na sociedade”.

Palavras duras, mas sábias.

No âmbito de um outro ensaio, “Ex-communists”, Hannah Arendt destaca o caráter fundamental do direito à dissidência:

O direito à dissidência pertence à matéria viva como o da aprovação. Qualquer tentativa para limitar a dissidência e impor uma versão da verdade da opinião americana destruirá a democracia americana, não a salvará. A tendência para punir o discurso subversivo constitui apenas uma modalidade de métodos da polícia e apenas da polícia”.

A analogia com a descabelada tentativa em curso na sociedade americana de atacar e criminalizar a dissidência é flagrante.

O problema mais complicado resulta do facto de escassearem na sociedade americana personalidades com o substrato de experiência e só um larguíssimo ressurgimento desse espírito será capaz de contrariar a deriva em curso.

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