(Os resultados das eleições de 18 de maio passado, com a ascensão do Chega ao estatuto de segunda força política, em linha com a afirmação da extrema-direita por toda a Europa, estão aí para durar sobretudo do ponto de vista da libertação em fogo lento ou acelerado, veremos, de outras forças ocultas que esperavam o momento certo para nos comunicar que existem e que andam por aí. Não está em causa se o Chega é ou não uma força política que reproduza na perfeição os cânones da extrema-direita mais radical. Até posso dar de barato que essa reprodução não é perfeita. Mas o problema não é esse. O ponto relevante é que a sua presença massiva no Parlamento cria as condições para que os tais demónios se revelem, que percam o pudor e que ousem projetar na sociedade a sua violência. Neste feriado do 10 de junho, com discursos incisivos de Marcelo e de Lídia Jorge na desmontagem da pureza do nacionalismo bafiento, outras “comemorações” tiveram lugar. Os sinais revelados são a expressão e o alerta necessário para compreender que os demónios da extrema-direita estão a perder a vergonha de projetarem a sua violência verbal e física, como se fossem à boleia da ascensão do Chega para chegar a outros fins. É sempre difícil interpretar factos que tanto podem ser coincidências pontuais como representar o despertar irreversível dos demónios, para os quais a justiça democrática tem por uma vez de perder a vergonha de atuar e de exercer o cumprimento da vontade democrática. Sem a expressão dos resultados do 18 de maio poderia defender aqui uma posição de condescendência e argumentar que se trataria de situações pontuais. Com esses resultados, porém, tenho para mim que devem ser interpretados à luz de um outro rigor, assente na convicção de que estamos perante forças que não hesitarão em vomitar o passado que tanto os atormentou.)
A agressão ao ator da Barraca Adérito Lopes por um grupo neonazi à porta do teatro representa uma manifestação de ódio à cultura e ao progressismo da criação artística que é típica da violência destes grupos e do tipo de destinatários que estão marcados para a perpetrar. Noutras condições, essa linha não teria sido ultrapassada. A história aqui não engana ninguém. A extrema-direita mais radical lidou sempre mal com o progressismo cultural e a agressão não é mais do que uma mensagem de que as coisas estão a mudar, alimentando o ânimo revanchista da violência.
Quando aos insultos de que foi alvo o líder da comunidade muçulmana em Portugal, que tem nacionalidade portuguesa (nasceu em Moçambique antes da independência), fala e discursa em português e considera Portugal a sua pátria, eles radicam na mesma experimentação favorecida pelos resultados de 18 de maio e, aqui neste caso concreto, com ligação direta ao discurso xenófobo de Ventura. Aquela homenagem aos antigos combatentes no 10 de junho, com a presença de Gouveia de Melo, tem água na boca. O líder da comunidade muçulmana estava simplesmente a responder ao convite para na cerimónia proferir uma oração em memória dos antigos combatentes muçulmanos: Os insultos proferidos são a manifestação mais bafienta do tal nacionalismo bacoco que Marcelo e Lídia Jorge desmontaram nos seus discursos de Lagos e estão ma mesma linha do propósito enunciado pelo Chega de negar o direito de reunião de famílias aos imigrantes. Vão ser o pão nosso de cada dia nos tempos mais próximos, abrindo caminho a um universo de glorificação do nacionalismo mais tradicionalista que tenderá a afirmar-se nos pormenores mais sórdidos e inesperados, explorando esse potencial até ao tutano.
Estou para ver como é que uma “peça” como Leitão Amaro vai reagir a essa pretensão legislativa do Chega.
Se porventura interpretaram os resultados de 18 de maio como um abalo político, estejam correntemente atentos às réplicas que esse abalo irá provocar mais a médio prazo. No meu entender, os acontecimentos de ontem já foram uma dessas réplicas. Vamos ter necessidade de uma espécie de IPMA político.

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