(Não é a primeira vez que neste blogue invoco o nome de Richard Baldwin, Professor na IMD Business School de Lausanne. Ele é para mim indiscutivelmente uma das vozes mais autorizadas para nos ajudar a compreender as derivas anti-globalização e seguramente alguém que foi mais longe do que outros na leitura e medida das transformações estruturais dessa mesma globalização a partir do momento em que o rácio “(exportações + importações mundiais) /PIB mundial estagnou e recuou, enquanto o peso dos serviços nos fluxos da economia mundial continuou a crescer. O think-tank Center for Economic Policy Research (CEPR), em que Baldwin participa regularmente, acaba de publicar uma obra fundamental para a crítica fundamentada da agressão aduaneira perpetrada pela administração Trump. O título da obra é sugestivo: “The Great Trade Hack: How Trump´s Trade War fails and the World moves on” (O Grande Golpe Comercial: porque que é a guerra comercial de Trump falha e o Mundo avança). Não conheço uma desconstrução tão completa da ofensiva comercial de Trump como esta apresentada por Baldwin e espero sinceramente que o peso institucional do CEPR sirva para consolidar na diplomacia económica esta desmontagem da guerra de Trump, reduzindo à sua insignificância os complacentes e sempre dispostos a alinhar com a treta da negociação transacional em que Trump é especialista. A argumentação é sólida e dignifica a teoria económica. Bem sei que vão longe os tempos em que a ciência económica fundamentava a decisão política, sobretudo a partir do momento em que os macroeconomistas foram engolidos pela onda populista que os classificou nas elites mais desprezáveis. Mas estamos sempre a tempo, desde que compreendamos os limites dessa mesma ciência económica, para reabilitar os seus fundamentos e não será por falta de mentes brilhantes e pensamento esclarecido que podemos justificar a nossa desistência de recolocar a teoria económica onde ela já esteve.)
Estou incondicionalmente com Baldwin quando ele nos aconselha a não interpretar a ofensiva comercial externa de Trump como estando ancorada numa política comercial. A ofensiva de Trump é um golpe comercial como um hacker experimentado gostaria de protagonizar. O golpe de Trump visa destruir a “firewall” do comércio internacional, atuando sobre ela de forma disruptiva. Não é mais do que uma “vendetta” de Trump e seus seguidores, prolongando um rosário de queixas contra a globalização que vem de há já algum tempo e ao qual a própria administração Biden cedeu também em parte. Não é por acaso que na fraseologia de Trump emergem palavras como “ameaça, humilhação e destroços”, tendo sempre presente o mito de que a classe média foi engolida pela globalização em detrimento do enriquecimento das elites (admire-se a contradição de Trump se colocar de fora dessa elite que enriqueceu às custas do processo de globalização). A linguagem de Trump é simples e esclarecedora: os direitos aduaneiros visam parar o roubo internacional, proteger a classe média e extorquir do estrangeiro a recompensa para tudo isso. Nesta perspetiva, Baldwin sugere que o movimento terá sido iniciado com a crise de 2008 e, nessa medida, Trump apenas completou e aprofundou o edifício.
Parece grotesco, não parece? Sim, é confrangedoramente grotesco, mas ganhou votos e continua a ter uma estranha base social de apoio.
Toda a obra agora publicada pelo CEPR assenta na desmontagem de três argumentos cruciais.
O primeiro conclui que os direitos aduaneiros não podem resolver o problema do défice externo americano. Os americanos quando gastam mais do que produzem estão subordinados a um défice estrutural e se podemos admitir que por via da recessão poderá haver influência essa via é temporária.
O segundo defende que os direitos aduaneiros não por si só revitalizar a indústria transformadora americana. Como Baldwin o demonstra com clareza, a reindustrialização exigirá sempre um processo exigentemente coordenado de investimentos a longo prazo, trabalhadores qualificados e uma infraestrutura de excelência mundial. Os direitos aduaneiros de Trump não só não respondem a qualquer uma destas exigências, como penalizam a indústria transformadora fazendo aumentar os custos dos fatores e desregulando as cadeias de valor globais.
O terceiro argumento completa a desconstrução demonstrando que os direitos aduaneiros não poderão ajudar a classe média, já que se limitam a proteger uma pequena fração (inferior a 10%) dos trabalhadores da classe média nas indústrias de bens de produção, quando os restantes 90% trabalham nos serviços e veem o seu custo de vida aumentar por via dos direitos aduaneiros.
É fundamental que este argumentário penetre e convença a diplomacia económica. Parece fácil mas atrevo-me a alertar que não sejam demasiado otimistas. O populismo e o desprezo pelas elites económicas penetraram fundo em muitos círculos e num mundo manietado pelos homens do direito que de economia percebem muito pouco, exceto os que completaram a sua formação por essa via, não me admiraria que a complacência dos salamaleques diplomáticos para com a administração Trump prevalecesse sobre a solidez deste conjunto de evidências e argumentos.
Aliás, são esses salamaleques diplomáticos e a complacência para com a pressão e chantagem americana que explicam o ainda não reconhecimento por muitos Governos (incluindo o de Montenegro e Rangel) do direito da Palestina ao seu próprio Estado. Esses salamaleques parecem valer mais do que a evidência do genocídio palestino, o qual na história longa que virá por aí será visto como ainda mais aterrador e de maiores proporções do que o holocausto dos judeus perpetrado pelo nazismo.

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