É-me cada vez menos compreensível a estratégia da esquerda portuguesa à esquerda do Partido Socialista. Mesmo sabendo que está convencionado que é preciso marcar presença nos processos eleitorais para fixar eleitorado e manter viva a voz, o facto é que os tempos não correm de molde a que as candidaturas de António Filipe, Catarina Martins e Jorge Pinto possam ser verdadeiramente encaradas como sérias por parte dos cidadãos comuns (designadamente aqueles que tendem a votar à esquerda), menos propensos ao entendimento dos taticistas cálculos partidários do que agarrados ao valor facial das candidaturas e respetivo sentido – uma proposta unitária seria certamente, deste ponto de vista, a única alternativa credível para a maioria daqueles eleitores. O que quer realmente dizer que se é “o candidato dos democratas”, que “se for Presidente o chega nunca será Governo” ou que se “dissolve o Parlamento se a direita tentar revisão drástica da Constituição”, quando todos os que os ouvem sabem que tais afirmações relevam da estrita propaganda política e acabarão ridicularizadas pelos escassos pontos percentuais obtidos por cada um no dia 18 de janeiro?
Neste quadro, o PCP ainda consegue fornecer-nos elementos capazes de algum entendimento (que não validação) – a pura e simples arteriosclerose segundo alguns (mesmo atacando figuras jovens e bem parecidas como a de João Ferreira) ou, em termos mais sofisticados, o fechamento crescente num mundo muito próprio em que a negação e o dogmatismo surgem como condição de autodefesa e preservação de algo que já pouco tem a ver com a realidade da sociedade em que proclamam pretender intervir e operar – mas os outros dois partidos, que emanam de fundamentos e razões de ser mais modernos e supostamente mais consistentes, surpreendem pela sua cegueira perante o entorno e pela sua incapacidade de a ele responderem de modo eficaz. Aqui, a candidatura de Catarina Martins (CM) ainda aparece como minimamente explicável à luz do protagonismo que alcançou nos tempos da “geringonça” mas a de Jorge Pinto apresenta-se como um autêntico tiro ao lado do objetivo que devia guiar a ação política do “Livre” e de Rui Tavares. Seja como for, CM não deixa também de mostrar quanto é parca a sua interpretação e assunção dos últimos acontecimentos que envolveram o “Bloco de Esquerda” desde que decidiu contribuir para o afastamento do governo de Costa (27 de outubro de 2021) e subsequente convocação por Marcelo das eleições que estiveram na base das derivas da evolução política nacional nos últimos quatro anos.
O caso do Bloco é aquele que mais me deixa boquiaberto, quer porque se trata de um partido que chegou a lograr atingir uma notoriedade e uma representatividade significativas quer porque corresponde a uma organização dotada de vários quadros políticos capazes e experientes (Francisco Louçã à cabeça). Que não tenham aceitado que erraram naquele chumbo governamental de 2021, seja; que não tenham lido os sinais, por demais evidentes, da visível recusa popular em relação à sua afirmação irredutível de certezas e da correspondente perda de credibilidade pública dos seus militantes mais consagrados e qualificados (com destaque para Mariana Mortágua), é grave e foi provavelmente suicidário – a entrega a um católico progressista (José Manuel Pureza) da coordenação dos destinos do Bloco mostra a que grau de desespero chegaram os seus antigos donos; o meu desejo é o de que o professor coimbrão seja feliz na sua missão, a bem de novos equilíbrios políticos, da recuperação de certos valores essenciais e do futuro do País. Sendo que a mudança necessária não acontecerá apenas, nem principalmente, com a ostentação de caras novas ou diferentes, antes depende da coragem de rejeitar velhos clichés e de pensar e agir “fora da caixa” e sem tabus entorpecedores e estéreis.


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