(O vinyl LUX de ROSALÍA já cá canta, é caro para burro, mas aquela capa em que o novo ícone catalão da pop music aparece num traje de freira, resplandecentemente branco, que também pode ser entendido como uma camisa de forças que procura submeter a sua rebeldia que o disco mostra ser indomável, é todo um monumento de comunicação. A consistência do investimento artístico que esteve subjacente a este novo disco, creio que cerca de três anos a ser maturado, não engana ninguém. É um prodígio de comunicação, de força de mensagem, uma espécie de orgia musical que se espraia pelas quatro faixas do vinyl, também ele produzido em branco transparente e cujo manuseamento nos surpreende e encanta. Com cada aparecimento de ROSALÍA a música popular quebra todas as barreiras possíveis de imaginar. A migração da artista catalã para Los Angeles e a afirmação consistente que daí irradiou, veja-se por exemplo a sua mais recente ida, já madrugada, ao Tonight Show de Jimmy Fallon, é um caso sério de persistência de linguagem inovadora. Muita gente encarou os primeiros álbuns de ROSALÍA como algo produto de uma construção artificial, que iria esboroar-se com a corrosão do tempo mediático, resultado de uma máquina complexa concebida para gerar um êxito comercial. Essas posições tendiam, naturalmente, a esbater a força criativa da própria artista, ela seria uma marioneta dessa máquina esmerada de produção de sucesso. O tempo, em meu entender, está a dar razão aos que, como eu, desconfiaram dessa tese, simplesmente pelo motivo de que mesmo uma máquina tão apurada como a existente por detrás da artista catalã não dispensa a interação com a protagonista. Se havia dúvidas de que isso era assim, penso que o LUX faz desvanecer todas essas dúvidas, suscitando uma outra questão bem mais importante – o que acontecerá depois de LUX, não terá sido ele o canto do cisne da inventiva temática e musical que ROSALÍA nos traz com tanta força e desassombro.)
A crítica de Gonçalo Frota no IPSÍLON traz-nos uma das análises mais profundas do monumento que LUX representa, um produto talvez excessivo, em que a artista e a sua equipa parecem esgotar todas as referências possíveis, num poliedro musical complexo que toca tudo e todos. Frota acerta na mouche quando nos brinda com este comentário: “(…) A pop é, porventura, a linguagem musical menos estática que existe e aquela que de forma mais voraz reflete o seu tempo. Guia-se pelo alcance popular, sim, com algumas regras que ajudam a encurtar o caminho para os ouvintes, mas carece de uma estética particular. Não é defeito, é feitio. É própria de uma natureza musical omnívora, que vampiriza todos os outros géneros. E, convenhamos, se há criadora omnívora neste momento a divertir-se no recreio da pop, ela é Rosalía.”
Não é por acaso que ROSALÍA se diz inspirada pelo pioneirismo de Bjork e de Kate Bush. Que se danem os puristas do flamengo que invetivaram a artista pela dessacralização dessa inspiração musical. A relação da pop com esse género musical é explorada em todas as suas interações possíveis, fiel à ideia da vampirização de outros géneros.
E desta vez é a interação com a música clássica ou erudita que marca este disco. A participação da London Symphony Orquestra é notável, marca o tom, levantando a questão de saber se este vai ser o novo filão ou se, para nos espantar de novo, o próximo disco explorará outros campos de interação com outros géneros e estilos musicais. Mas também dá para não esquecer o estímulo da articulação com o flamengo e com o fado (participações de Sílvia Pérez Cruz, Estrella Morente e Carminho, sim a nossa Carminho).
O deslumbramento de Jimmy Fallon com a presença de ROSALÍA no Tonight Show mostra bem como o salto a partir de Espanha é hoje impactante por todo o mundo.
Talvez excessivo pela abundância das suas referências, o LUX é daqueles álbuns que faz avançar a inovação na pop a um ritmo infernal. É essa sensação que temos ao manusear o vinyl, afinal a sensação que estamos a mexer num artefacto que será um marco da música popular e pelo não acantonamento dos géneros musicais.
Para ilustra essa sensação, fiquem o com LA PERLA.


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