sábado, 15 de novembro de 2025

E SE OLHÁSSEMOS PARA A ALEMANHA COM MAIS ATENÇÃO?

 


(A Alemanha é um dos raros países na União Europeia em que o eco público do pensamento e reflexão crítica dos economistas tem alguma notoriedade. Estou a referir-me ao Conselho Alemão dos Peritos Economistas, cujo pronunciamento não vulgariza pela assiduidade o que tem para dizer e representa um tipo de comentário que a opinião pública alemã ouve com atenção. Como tenho vindo a referir em alguns posts, a verdade é que a grande maioria dos economistas se pôs a jeito, permitindo que o seu pensamento e palavra se fossem desvalorizando, fazendo perigosamente parte dos problemas e não da sua solução. O Conselho Alemão a que refiro, mesmo nos tempos em que a ortodoxia monetária alemã do senhor Schaüble e seus comparsas impôs o duro fardo da austeridade à política económica da União, nunca deixou de manifestar a sua opinião fundamentada. Uma das razões que explica a sua notoriedade resistente é a parcimónia com que se pronuncia e isso é uma verdadeira lição para os palradores que confundem intensidade de manifestação com consistência de posições. Tudo isto vem a propósito do mais recente pronunciamento do Conselho acerca da situação económica alemã. A sua reflexão é importante, pois independentemente de nos imiscuirmos na velha questão de saber se a Alemanha é ou não, de facto, o motor da Europa, a questão fundamental é compreender que o modo como a economia alemã vai enfrentar a grande alteração em curso dos rumos da globalização e da organização das cadeias de valor globais na economia mundial será um elemento crucial de reflexão sobre a Europa que podemos vir a ter. Recuperar algum protagonismo ou VOZ ou, em alternativa mais trágica, cair na irrelevância total são cenários centrais para o futuro de bem-estar europeu e isso bastaria para estarmos atentos ao modo como a Alemanha anuncia esse futuro).

A economia alemã é um exemplo vivo de algo que demorámos demasiado tempo a compreender que poderia estar a passar-se na economia europeia mais dinâmica. A ortodoxia orçamental e monetária que dominou a decisão política durante longo tempo, com o percurso de Angela Merkel no coração desse longo período, tendeu a gerar na economia alemã um amplo défice de investimento público que teve consequências nefastas para a qualidade da dotação infraestrutural alemã e seguramente para os seus níveis de produtividade e competitividade. O que não deixa de ser algo de estranho e incompreensível. Quer isso significar que, ao contrário dos principais críticos da ortodoxia alemã, que pensaram que os danos dessa ortodoxia se limitariam aos países sob ajustamento, hoje é mais bem percebido que tais políticas se abateram também sobre o dinamismo da economia alemã e que, dada a sua importância nos fluxos económicos no interior da União, acabaria por penalizar indiretamente o dinamismo da própria economia europeia como um todo.

A chegada do chanceler Merz ao poder foi encarada com otimismo e alguma esperança, sobretudo a partir do momento em que foi possível pelo menos alterar o quadro legal que orientava a política de endividamento alemão.

Essa antecipação de esperança e otimismo foi, entretanto, reforçada, pela existência na sequência da chegada de Merz ao poder de um ambicioso fundo de investimento de 500 milhares de milhões de euros focado na descarbonização e na modernização infraestrutural. É neste contexto que adquire um especial significado o mais recente pronunciamento do Conselho de Peritos Economistas, segundo o qual as esperanças com a liderança de Merz poderiam estar ameaçadas pelo facto de parte sensível dessa margem de investimento adicional estar a ser desperdiçada em consumo público e não no investimento necessário para alcançar efeitos que se vejam em matéria de produtividade e competitividade da economia alemã.

Se não é um balde água fria sobre as antecipações mais otimistas sobre o rumo da economia alemã é algo que anda lá perto.

O relatório anual do Conselho anuncia previsões de estagnação para a economia alemã e, simultaneamente, enuncia as suas preocupações sobre a fratura que se vive no mercado único europeu de bens, serviços e capitais e as questões mais internas do envelhecimento progressivo da população alemã e a queda continuada da competitividade da indústria alemã.

O que parece estar em causa na aplicação do Fundo de Investimento atrás referido (Programa de Investimento em infraestruturas e neutralidade climática) é a não verificação do princípio da adicionalidade subjacente à criação do Fundo. Por outras palavras, governo Federal e Länder estarão a utilizar a margem orçamental criada para substituir despesa pública anterior e, assim, a não gerar o pretendido efeito de adicionalidade no investimento público alemão. Essa interpretação é compatível com as previsões de crescimento anémico que estão disponíveis.

Esta situação configura uma típica situação de “pescadinha de rabo na boca” nas interações entre a economia europeia e a alemã. A fragmentação do mercado único europeu ditada pela longa adaptação ao novo cenário internacional e a ditadura dos direitos aduaneiros imposta pela administração de Trump interliga-se viciosamente com uma insuficiente dinâmica de investimento na economia alemã. Tudo isto acentua a reflexão realizada neste blogue há já algum tempo. SE aderirmos à ideia do motor alemão, percebe-se que a avaria que nele se deteta não será uma simples avaria de circunstância, mas que representa uma daquelas situações com que nos confrontamos frequentemente na nossa vida prática, vale a pena reparar ou é de coisa nova que precisamos. O problema é que a metáfora é de difícil aplicação. A hipótese do novo não equivale simplesmente à compra de um novo veículo, elétrico que seja.

Grande parte dos problemas que emergem da não aplicação dessa metáfora resultam do facto de que existe uma questão prévia que está longe de estar resolvida – o acerto e estabilização do tipo de parceria que a economia europeia terá de construir com a inovação tecnológica da China.

 

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