quinta-feira, 13 de novembro de 2025

O PASSOSEBASTIANISMO ANDA POR AÍ

 

(Não é a primeira e muito provavelmente não será a última vez que me refiro neste espaço ao papel passado e supostamente futuro que Passos Coelho assume na política portuguesa. Parece-me evidente que sem uma ampla margem de escolha à sua disposição os liberais económicos portugueses mais identificados com os meios empresariais mais modernos e internacionalizados olham para Passos Coelho como o mais desejado protagonista político das suas convicções. O papel que historicamente lhe coube assumir no período da Troika e nos pesados ajustamentos a ela associados aprofundou essa convicção. Afinal, o famigerado ajustamento estrutural que se ocultava no TINA da austeridade assentava como uma luva nos desejos de “modernidade” que esse grupo pensava para o país. E, mais do que abrir caminho a esses sinais da tal modernidade, o que impulsionava aquele grupo era a grande oportunidade de erradicar de uma vez por todas os arcaísmos da sociedade portuguesa considerados indesejáveis e inibidores da modernização pretendida. Obviamente que a história nos ensina que por detrás desses arcaísmos estão pessoas e instituições e que a sua destruição tem impactos sociais sérios, que sem uma almofada social bem pensada e melhor implementada é difícil, senão impossível, concretizar com respeito pelas liberdades democráticas fundamentais. Certamente que as privatizações avançaram a esmo, mesmo sem uma estratégia definida para as selecionar, mas nessa dimensão a argumentação da Troika era poderosa, era necessário arrecadar receita pública. Mas noutros domínios, como a legislação laboral, a reforma, leia-se privatização velada, da segurança social e a reformulação das regras de composição do SNS a dita senha liberal encontrou resistências à entrada.).

Em meu entender, esse entendimento da austeridade como oportunidade única de destruição dos tais arcaísmos da sociedade portuguesa estava mais entranhado no grupo de jovens turcos que ladeavam Passos Coelho do que nele próprio. Este passou a identificar-se mais com a ideia de que o equilíbrio das finanças públicas exigiria sacrifícios. Os jovens turcos identificavam esses sacrifícios com a oportunidade única de remover os referidos arcaísmos, o que não exatamente a mesma coisa. Esta imagem de Passos Coelho saiu reforçada com o seu não inapelável aos pedidos de ajuda de Ricardo Espírito Santo para tentar remediar os desmandos no BES.

No tempo político que se abriu com a entrada em cena da geringonça, Luís Montenegro, como líder parlamentar, Hugo Soares e uns tantos mais, em que também se incluía Leitão Amaro, fizeram uma longa travessia de negação do que estava a acontecer na sociedade portuguesa de então, marcado sobretudo pela necessidade de esquecer o mais depressa possível a longa travessia da austeridade. Entretanto, o tal grupo de jovens turcos, que não tinha inscrição parlamentar, foi à sua vida.

O que é que mudou, entretanto, neste contexto de representação tímida do tal liberalismo económico mais ligado aos meios empresariais já internacionalizados?

Duas coisas. Primeira, Montenegro e esse grupo parlamentar mais próximo acederam ao poder, podendo discutir-se com que agenda. Segunda, depois de uma longa travessia no deserto de total alheamento político, Passos Coelho foi aparecendo com posições públicas muito seletivas, cuidadosamente programadas em conteúdo e nos tempos políticos em que se concretizaram. Na minha interpretação, este reaparecimento não tem estado claramente centrado na tal modernização económica que tanto atraía o seu grupo de colaboradores jovens turcos, mas antes abraçando matérias que estão hoje claramente integradas numa agenda populista e de direita mais radical que André Ventura cavalga melhor do que ninguém. É o caso da imigração com a atoarda de que daqui a pouco os Portugueses não se sentem mais Portugueses olhando para o seu entorno, mas também piscando o olhar a um conservadorismo cultural menos inibido. Mas, curiosamente, aquele princípio de que o equilíbrio das contas públicas exige decisões incómodas a que os políticos não podem furtar-se continua a estar presente nas mais recentes declarações de Passos Coelho.

O passosebastianismo é um caso muito particular desse traço cultural que muita gente associa aos Portugueses. É que neste caso é o próprio a administrar com parcimónia e seletividade essa agenda. Não é possível com fundamentos sérios antecipar o que pretende Passos Coelho com este tipo de posicionamentos seletivos. O que sabemos é que o seu eventual regresso, por exemplo à liderança do PSD, teria provavelmente um efeito colateral não menos importante. A probabilidade de André Ventura ser domesticado pelo regresso de Passos seria em meu entender muito elevada. Não consigo imaginar as razões que levam Ventura a ter uma relação de tanto apreço e dependência face a Passos Coelho. Será muito provavelmente um mistério da história política portuguesa recente que nunca será desvendado, mas que ele existe disso não tenho qualquer dúvida.

Entretanto, para que a complexidade da análise seja reforçada, o governo de Montenegro envereda presentemente por opções políticas típicas desse período áureo do passismo. Refiro-me ao pacote laboral, cuja reforma no sentido liberalizante esteve sempre em cima da mesa das intenções dos liberais económicos portugueses, protagonizada agora por uma ministra que conhece a pasta e a máquina ministerial desde há longo tempo e que é bastante determinada. Certamente que a anunciada greve geral com acordo da CGTP e da UGT não assumirá a dimensão da grande revolta popular e espontânea que a reforma das contribuições para a segurança social suscitou no passado. Estudiosos do mercado de trabalho português, como Mário Centeno, sabem que a segmentação desse mercado é dos constrangimentos estruturais mais sérios da economia portuguesa. Mas sabemos também que o combate a essa segmentação exige uma política de flexibilização das relações laborais que não pode ser conduzida do modo como o pacote laboral da ministra Ramalho pretende implementar. Creio que uma greve geral ampla e bem-sucedida pode introduzir um obstáculo sério ao avanço dessa legislação, até porque desta vez não haverá nenhuma TINA a empurrar tal opção.

Entretanto, com as interrogações que constam deste post, o passosebastianismo pairará por aí. Os liberais económicos continuarão a salivar os tais ajustamentos estruturais que julgam essenciais pata extinguir o arcaísmo do velho país.

Veremos o que a dinâmica social e política nos reserva, com Passos ou outros sebastiões ao barulho.

 

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