quinta-feira, 6 de novembro de 2025

AINDA A REDE TRANSEUROPEIA DE ALTA VELOCIDADE

 

(Dois documentos da Comissão Europeia que podem ser obtidos aqui vêm trazer novos elementos ao completamento da rede transeuropeia de alta velocidade. Logo com consequências para as ligações ibéricas, onde como se sabe a Espanha com pezinhos de lã construiu a segunda rede de alta velocidade mais importante do mundo e a inércia portuguesa tem balançado, invocando uma interação maléfica entre as pressupostas opções dos dois Governos. Seria importante que os avanços da rede transeuropeia pudessem romper com a ideia peregrina de fazer jus à jangada de Saramago e entender que a rede terá de respeitar especificidades ibéricas bondosas, mas que têm atrasado o avanço dos investimentos. Os dois documentos respeitam um à conexão intraeuropeia pela rede de alta velocidade, incidindo o outro na sustentabilidade do investimento em transportes, dimensões cuja integração é essencial para concretizar algumas alternativas de ligação. Em simultâneo com a génese e publicação destes COM, há notícia de novas aproximações entre os governos de Lisboa e Madrid, com a principal consequência de colocar de novo no centro da programação a ligação entre Lisboa e Madrid por alta velocidade, segundo uma progressão de 5 horas até 2030 e de 3 horas até 2034, sendo esta a meta europeia.)

Como já por repetidas vezes tive a ousadia de afirmar neste blogue, nunca acreditei piamente que a decisão de Pedro Nuno Santos, então ministro da pasta dos transportes e infraestruturas, de atribuir prioridade de programação de investimento à ligação Porto-Braga (Nine)-Vigo em detrimento da ligação Lisboa-Madrid tivesse pernas para andar. E a minha avaliação assentava, entendo eu, em razões sólidas. Em primeiro lugar, porque dificilmente a concentração humana e de serviços da aglomeração da Capital engoliria sem esforço essa subalternização de prioridade. Em segundo lugar, e creio que com valor explicativo mais forte, do ponto de vista da sustentabilidade e redução do efeito de emissões associado ao transporte aéreo, a ligação Lisboa-Madrid tem obviamente um impacto redutor muito mais pronunciado do que o da ligação Lisboa-Porto-Vigo.

Os jornais galegos que habitualmente estão sempre mais atentos a estes jogos de cintura complexos entre política regional, política nacional e política europeia, rapidamente entenderam que os dois documentos e os planos a eles associados provenientes da Comissão Europeia tinham implicações no seu território. Veja-se o que a VOZ DE GALICIA escreve: “O Executivo comunitário apresentou esta quarta-feira um plano para impulsionar a criação de uma rede europeia de alta velocidade com importantes implicações para a Galiza em dois âmbitos: a conexão com Portugal, para a qual se estabelecem prazos vinculativos para os Estados e a interoperabilidade da linha Madrid-Galiza, tanto no que respeita à largura da via como aos troços de via única. A Comissão insiste nos fatores que podem discriminar a entrada de operadores através de barreiras técnicas, como são as vias de bitola ibérica a partir de Ourense, que obrigam as empresas a adquiri comboios de eixo variável que só poderiam utilizar em Espanha e em Portugal.”

Trata-se de uma reflexão que partilho, pois parece-me que uma de duas coisas podem ocorrer: por um lado, se os governos de Lisboa e Madrid insistirem na especificidade da bitola ibérica (não extensiva a todo o território espanhol, pois como é conhecido, nos territórios mais desenvolvidos e cosmopolitas do território vizinho a bitola europeia está já implantada), contrariando a opção europeia isso equivalerá por certo a um diferimento de investimento e ao não cumprimento de prazos estabelecidos, já que o argumento da Comissão sobre a discriminação por barreiras técnicas será bastante litigiosa; por outro lado, acaso o cumprimento dos prazos associados a questões de financiamento seja considerado prioritário, dificilmente a bitola ibérica poderá prevalecer.

Quer isto significar que o contexto de decisão comunitária teve aqui algum impulso (a interrogação aqui será a de avaliar se a esta clareza de discurso virá associada clareza e disponibilidade de financiamento). E se a intuição não me engana, a questão da bitola ibérica versus bitola europeia irá regressar em força. A outro nível, as almas mais influentes da aglomeração de Lisboa estarão mais sossegadas, pois a prioridade de Lisboa-Madrid está de novo no mapa, independentemente de 2030 e 2034 serem datas realistas para os nossos sonhos de viajar em alta velocidade como cidadãos europeus e não como cidadãos de segunda ou terceira, atormentados com as questões impensáveis das bitolas.

Mas que jangada!

 

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