segunda-feira, 3 de novembro de 2025

AS PRESIDENCIAIS DE 1986 (1)

(Elaboração própria a partir de https://www.sg.mai.gov.pt) 

Referi-me aqui há dias ao podcast do “Observador” sobre as eleições presidenciais de 1986. Ao ouvi-lo e recordar alguns episódios – bem assim como ao descobrir outros –, fiquei com uma certa curiosidade quanto à expressão dos resultados e sua distribuição territorial. E assim me dediquei a fazer algumas contas e a delas retirar alguns mapas que julgo ilustrativos.

 

Começo pelo mapa da primeira volta, em que Freitas do Amaral obteve 46,3% dos votos validamente expressos (não atingindo os 50% necessários para evitar uma segunda volta) contra os 25,4% de Mário Soares (que assim passou à segunda volta contra a maioria das expectativas), os 20,9% de Salgado Zenha e os 7,4% de Maria de Lurdes Pintasilgo. De registar que se esta última tivesse desistido da sua candidatura – como parece ter sido hipótese forte – e se a maioria do seu eleitorado tivesse optado por Zenha – o que era altamente provável por se tratar de um candidato mais à esquerda – a passagem ao duelo da segunda volta poderia ter cabido a Zenha e não a Soares (um dado muito relevante e que aponta para o caráter certeiro da estratégia de Soares e do faro político com que este tudo fez para manter a candidata em disputa até ao fim).

 

Em termos de distribuição concelhia, é de assinalar que a vitória de Freitas aconteceu em 235 (77% dos 305 concelhos existentes à época – Trofa, Vizela e Odivelas ainda não tinham adquirido tal estatuto e surgem descoloridos no mapa) contra 65 para Zenha (21,3%), 5 para Soares (1,6%) e nenhum para Pintasilgo. É bem visível a disparidade Norte-Sul verificada, com as conquistas de Zenha a situarem-se a Sul (exceto boa parte do Algarve, Beja e a parte mais urbana do distrito de Lisboa) – a Marinha Grande é o município ganho mais a norte – e as de Freitas a serem quase integralmente verificadas nas zonas Norte e Centro do País e em larga parte do Algarve. Por outro lado, os 5 concelhos vencidos por Soares são pequenos e erraticamente distribuídos pelo País: Nazaré, Castro Marim, Porto Santo, Castanheira de Pêra e Constância.

(Elaboração própria a partir de https://www.sg.mai.gov.pt

Uma outra dimensão de análise interessante é a que respeita à comparabilidade direta entre os dois grandes opositores da primeira volta, Soares e Zenha. Mais uma vez o mapa é elucidativo quanto à divisão Norte-Sul ocorrida, com a exceção do Algarve que também se inclinou relativamente mais para Soares. Nas zonas Norte e Centro, Zenha apenas venceu o adversário em Viana do Castelo, Covilhã e Marinha Grande, tendo ainda alargado a sua área de influência ao lograr dominância na maioria da atual Área Metropolitana de Lisboa (com exceção de Cascais e Mafra). No conjunto, Soares ficou à frente do seu ex-amigo em 224 municípios (23,4%) contra uma concentração em 81 (26,6%) como sendo de maior afirmação de Zenha.


(Elaboração própria a partir de https://www.sg.mai.gov.pt)
 

Observando, por fim, a mesma informação de acordo com a sua expressão quantitativa o mapa acima mostra o essencial por gradações de cor. Um dos dados sintomáticos, e em nada infirmador do que atrás se foi deixando dito, é o de terem existido 7 municípios (todos a negro e nenhum deles surpreendente) em que o diferencial de votos entre Zenha e Soares foi favorável ao primeiro em mais de 10 mil (Barreiro, Almada, Moita, Loures, Seixal, Setúbal e Évora) e outros 7 (todos a roxo e urbanos, a Norte e na Madeira) em que igual diferencial beneficiou Soares (Vila Nova de Gaia, Santa Maria da Feira, Porto, Matosinhos, Funchal, Famalicão e Barcelos). Um outro é o que resulta da constatação de que, em termos percentuais, a votação em Freitas nunca foi inferior a 13,1% (Aljustrel) em nenhum município nacional e apenas ficou abaixo dos 20% em 12 concelhos, valores que se posicionaram em 8,1% (Vila de Rei) e 91 no caso de Soares mas atingiram 1,3% (Porto Moniz) e 201 com Zenha e 0,7% (Calheta) a totalidade dos concelhos com Pintasilgo. A exploração de todo este conjunto de elementos permitir-nos-ia certamente ir bem mais longe mas para matar a curiosidade numa primeira impressão, julgo que este esboço já será suficiente. Voltarei ao tema para alguns complementos quando conveniente.

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