terça-feira, 29 de julho de 2025

A CAPITULAÇÃO ANUNCIADA

 

                                      (A pose dos dois personagens diz tudo, não acham?)

(Quando um elefante irrompe numa sala ou esta é robusta e preparada para o embate ou, caso contrário, os danos fazem parte de uma crónica anunciada. Esta é a imagem que me ocorre para avaliar o que se terá passado na Escócia com a aprovação de um acordo unilateral que estabelece direitos aduaneiros de 15% sobre as importações americanas provenientes da União Europeia, continuando as exportações americanas para o território europeu a poderem entrar livremente. Pelo que foi noticiado, o acordo não fica por aqui e outras cláusulas prolongam a deferência para com a narrativa que Trump conseguiu impor, segundo a qual o desequilíbrio observado nas trocas comerciais entre os EUA e a União Europeia é malévolo. Como é óbvio, para quem esteja minimamente atento e não disposto a baixar as calças à mínima dificuldade, esta imagem não é lá muito elegante para a “negociadora” Ursula von der Leyen, reconheço, percebe que se integrarmos os fluxos de serviços na equação, e os serviços são hoje a fonte mais poderosa de globalização, a narrativa de Trump é facilmente desconstruída. As bravatas do elefante de tromba pequena são conhecidas e a fragilidade da sala em que se intrometeu é inequívoca como já compreendemos há muito tempo. O irritante faz de conta de que a União Europeia é um bloco sólido é tão flagrante que a capitulação objetiva que Ursula von der Leyen aceitou na Escócia pode ser compreendida face ao mal menor dos 15% face à convicção da existência de falta de poder objetivo para iniciar e resistir a uma guerra comercial. Os Cavalos de Troia que pululam por todo o território da União não resultam apenas da deriva política antidemocrática que os sucessivos resultados. Também no plano económico, a União Europeia confirma plenamente que o todo não é igual à soma das partes. Sim, a União não tem uma política externa consequente, mas também não tem, reconheça-se por uma vez que isso é assim, uma política económica consequente. A indeterminação externa está no seu auge e continuamos a acreditar que as decisões por unanimidade continuam a ser necessárias. Autismo político na sua expressão mais flagrante.)

Parece um paradoxo, mas não o é. A capitulação da União Europeia na Escócia acabou por receber do universo dos negócios não propriamente aplausos, mas um compreensivo encolher de ombros. A razão é simples. Os investidores e empresários compararam os efeitos negativos dos 15% em cima das suas exportações para os EUA com os efeitos da incerteza de uma guerra comercial aberta e não tiveram dúvidas. Será mais fácil gerir o incómodo dos 15% do que a incerteza da guerra comercial. Tudo isto com a ajuda de um pressuposto e de uma certeza. O pressuposto de que o elefante não continuará a provocar estragos na sala, mantendo-se fiel ao acordo, discutível, sem dúvida, porque este elefante é imprevisível. A certeza está correta. A União tal como está hoje configurada dificilmente teria unhas para gerir decentemente uma guerra comercial de grandes proporções.

A dispersão dos interesses nacionais e a correspondente fragilidade institucional da capacidade de decisão europeia são as responsáveis por, em tão curto espaço de tempo, a negociação União Europeia-China se ter limitado a um encontro pontual de posições em matéria climática e se ter registado a capitulação comercial perante os EUA. Admite-se, por isso, que neste contexto hoje cada mais evidente a União Europeia se limite a jogar para controlar danos e não para alcançar qualquer vantagem estratégica. O que tenderá a provocar efeitos endógenos que não serão desprezáveis. Grande parte dos países que integram a União podem aperceber-se que essa integração já não os defende das condições de vulnerabilidade, não resistindo alguns deles à sereia dos nacionalismos.

Percorrendo as leituras analíticas do acordo que se têm multiplicado na imprensa e opinião internacionais percebe-se que a União terá partido para esta negociação vencida à partida. A assimetria desfavorável do acordo para a União é flagrante para os que não participaram na negociação e mantiveram dela distância prudente. Em contrapartida, para os que estiveram mais próximos da mesma o tom dominante é de alívio – foi possível evitar o pior.

Mas o que me parece evidente é que a fragilidade europeia foi exposta sem qualquer pudor. O que significa que, a partir de agora, está irremediavelmente sujeita ao bullying comercial. Nem sequer o faz de conta prevaleceu. Toda a argumentação posterior ao acordo assentou no reconhecimento dessa fragilidade. Ora, o bullying manifesta-se sobretudo para com os mais fracos.

Oxalá me engane, mas daqui a algum tempo António Costa não vai estar particularmente orgulhoso com o seu curriculum de Presidente do Conselho Europeu.

Aos negociadores europeus não terá certamente passado pelas respetivas cabeças a ideia de uma coligação comercial com países como o Canadá, o México, o Brasil, a Coreia do Sul e outros mais, para contrabalançar as ameaças do elefante na sala.

A trajetória é de capitulação.

 

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