(Os dados estão lançados para as autárquicas em Lisboa e nos próximos tempos vamos ouvir até à exaustão a voz esganiçada de Carlos Moedas a alertar o eleitorado para a questão central que estará em discussão – ele e a sua coligação a assumirem o papel de moderados e a grande coligação de esquerda (sem o PCP) liderada por Alexandra Leitão putativamente colada ao radicalismo. Este vai ser o tom da campanha de Carlos Moedas explorando até ao tutano a cumplicidade dos media. Já ontem alguns comentadores nas televisões, estou a recordar-me de Margarida Abecassis, assumiram aquele tom irritante de supremos intérpretes do eleitorado da capital afirmando que a onda dominante não está do lado do radicalismo, mas antes da moderação, condenando assim, precocemente, a grande coligação de esquerda ao fracasso. Obviamente que tudo se trata de uma construção artificial, como estou certo Alexandra Leitão irá desmontar nas suas intervenções, aliás como já o tem anunciado em algumas pequenas intervenções no Princípio da Incerteza. Se há radicalismo reinante na cena política atual, não é seguramente de esquerda que está a alimentar-se. O radicalismo dominante é de direita, cavalgando a polarização e empolando as questões securitárias, a velha questão das perceções, em torno da imigração. Como irei tentar demonstrar neste post, bem pode Moedas cavalgar essa onda da moderação versus radicalismo, e provavelmente irá fazê-lo com êxito dada a cumplicidade de parte da comunicação social, mas a questão central é de natureza programática e não de ideias ocas sobre saber se estamos do lado da moderação ou do radicalismo. A gentrificação acelerada da Cidade, o gigantesco problema de habitação, a incapacidade que Lisboa tem revelado de reter e/ou atrair casais jovens sem banca privada de suporte das respetivas famílias e a questão da mobilidade no interior da Cidade são questões concretas para as quais não há abordagens moderadas ou radicais, mas antes respostas que ou resolvem e mitigam o problema ou fazem cócegas sobre os mesmos, deixando tudo praticamente na mesma. Espero que a coligação de esquerda, relembrando outras experiências bem-sucedidas no passado, os personagens eram outros, seja capaz de passar por cima de orientações ou tiques meramente ideológicos e propor soluções concretas que mexam com a Cidade.)
Além do seu tom de menino bem-comportado, sempre pronto a chegar-se à frente para a fotografia (bom dia Manuel Acácio), Carlos Moedas tem pouco para apresentar como algo de marcante no seu exercício. A Cidade tem uma atração cosmopolita e internacional que vai por si, é uma dinâmica que vem muito de trás e goza dos favores das diferentes governações. É por isso uma variável de desempenho sobre a qual a ação de qualquer executivo municipal é muito limitada, basta não estragar e deixar que a imagem internacional faça o resto. Entre as realizações que Moedas pode justamente reivindicar está o início e desenvolvimento das obras de drenagem da Cidade, de dimensão infraestrutural inequívoca e cuja importância para os fenómenos climáticos extremos de inundações é crucial, dada a experiência de perturbações sérias da vida da Cidade nos tempos mais recentes.
Retirando essa marca infraestrutural ineludível, não é fácil identificar intervenções marcantes no consulado de Moedas que se sobreponham a sinais evidentes de hesitações nas políticas municipais (por exemplo sobre a mobilidade ciclável). Aliás, acho que a insistência na tecla da moderação versus radicalismo é, em si própria, um indicador de fraqueza e de fraca convicção na obra feita, pois se Moedas tivesse obra que se visse à distância, reconhecida pelo eleitorado, não necessitaria de cavalgar a onda da cumplicidade mediática, associando Alexandra Leitão ao radicalismo.
Esta conversa tem de ser retomada à luz dos princípios programáticos de intervenção municipal que venham a conhecer-se, não esquecendo que o Chega pode baralhar o confronto entre as coligações de direita e de esquerda. E, nessa matéria, como já o referi anteriormente, a questão não é de moderação versus radicalismo, mas antes de soluções concretas de resolução e/ou mitigação de problemas suficientemente conhecidos do eleitorado lisboeta versus medidas que servirão para acariciar e fazer cócegas a esses mesmo problemas.
O esforço de uma coligação de esquerda como a que acaba de ser consumada só tem sentido se houver ousadia nas abordagens propostas. Espero que isso aconteça e cá estaremos para analisar as condições concretas em que essa ousadia pode trazer esperança ao eleitorado. É uma questão que indiretamente me interessa embora não seja eleitor. Um ramo da família vive em Alcântara e quero um futuro risonho e inclusivo para os meus netos.

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