(Sempre me interessou o tema da relação entre a teoria e a política económica e a decisão política. É uma relação complexa, mas apaixonante, com os seus altos e baixos. Vivemos hoje um período em que o “poder de influência” dos economistas está permanentemente a ser questionado. Em tempos de populismo agressivo, os economistas são associados à elite e, nessa medida, marginalizados pois os populistas de cartola julgam-nos incapazes de compreender e falar para o povo. No passado, quando por razões diversas os economistas se deixaram confundir com a tecnocracia, esse estigma gerou um aceso debate na tribo, questionando-se o seu modo discursivo, o carácter ilusório dos seus modelos e a tentação de querer adaptar e condicionar a realidade à teoria. Eram, de qualquer modo, tempos mais estimulantes para a profissão, pois pelo menos discutiam-se os mecanismos de reprodução do pensamento dominante. O poder académico tem as suas próprias cortes. As orientações de doutoramento e o financiamento das equipas, em grande medida determinado pelo prestígio e produção publicada dos Mestres cria mecanismos de reprodução do poder em grande escala. Por isso, em economia, a chamada mudança de paradigmas tende a não acontecer segundo as regras da filosofia da ciência. A crítica do mainstream na economia está feita há muito tempo, cientificamente demonstrada, mas não é por isso que os mecanismos de reprodução do poder deixaram de funcionar e, assim, prolongar paradigmas que deveriam estar a ser substituídos por alternativas mais sólidas. O estado atual da marginalização dos economistas é diverso e por isso considero que eles estão perplexos e doridos, o que é um estado de alma pouco propenso a revoluções científicas. Há muito tempo que não se via o que Trump acabou por conseguir graças às suas alarvidades. A ofensiva começou por Harvard, vai certamente estender-se por outras escolas que mantêm nas suas equipas gente que não tem papas na língua das suas análises, denunciando as profundas contradições da política económica de Trump e o aumento descarado da chaga da desigualdade. Mas, do ponto de vista do poder de influência da decisão política dominante e da que poderia constituir uma alternativa política, a situação é de profunda perplexidade e azedume.)
Uma das evidências mais marcantes da perda de poder de influência está no facto da lengalenga da descida de impostos como elemento de estímulo económico e fator de crescimento económico não ter hoje um macroeconomista representativo a defendê-la, sobretudo nas suas variantes de política de Robin dos Bosques às avessas. Foi assim no Reino Unido em que as desventuras de Liz Truss não resistiram ao teste da alface (caiu antes da alface se estragar) e nos EUA de Trump só um ou dois alucinados, sem peso algum na hierarquia dos macroeconomistas americanos têm pretendido fundamentar o indefensável.
Curiosamente, talvez porque a perplexidade é grande e o azedume impeditivo de grandes reflexões, não tem sido publicada muita reflexão sobre esta marginalização dos economistas. Já não vou falar nos tempos de Bretton Woods ou do intervalo entre as duas Guerras Mundiais em que os Grandes Economistas como Keynes participavam e influenciavam o rumo da política económica no mundo. Basta percorrer os volumosos Collected Writings de Keynes para compreender como ao longo das épocas a intensidade dos debates era feroz e o economista de Cambridge investia com força e determinação no debate e no influenciar da posição dos também Grandes Decisores.
Os tempos são outros e de certo modo estamos órfãos de Grandes Economistas com esse poder de persuasão mundial.
A Professora de política económica em Harvard, Karen Dynan, reflete sobre o assunto num pequeno artigo para o Finances&Development do Fundo Monetário Internacional, uma revista de grande divulgação. Dynan não hesita em situar o problema: “a confiança pública nos economistas foi erodida por falhanços de políticas de nível Elevado, crescente polarização política e desafios crescentes à autoridade dos especialistas a partir de novas e por vezes pouco fiáveis fontes de informação”. E convém ter em conta que não se trata de uma questão de perda de empregos com relevância. Bancos Centrais e grandes instituições internacionais continuam a atrair os economistas mais qualificados
O fenómeno é complexo e dever-se-á a uma combinação de fatores internos à própria ciência económica (de certo modo, pondo-se a jeito para a marginalização), mas também devido a fatores que são exteriores à disciplina que estão relacionadas com a maneira como se faz política e se organiza a decisão nesse mundo.
Compreendo, mas não aceito integralmente a ideia de que a marginalização se deve a um problema de falência intrínseca do mainstream. Não devemos esquecer que as alternativas ao mainstream também não têm sido eficazes em influenciar alternativas mais progressistas para a política de hoje.
Mas valerá a pena, com menos canícula, regressar ao tema.

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