(Com pouco tempo disponível para o blogue, implicado por uma viagem a Lisboa de trabalho “gozando” os atrasos e as instabilidades de percurso do Alfa Pendular, de pêndulo começa a ter pouco, enquanto assistimos às hesitações do costume em matéria de decisões políticas sobre grandes infraestruturas, refugio-me em algumas curiosidades marcantes daquilo que chamo a globalização fraturada. A persistência analítica que transparece do Chartbook de Adam Tooze é uma companhia regular, paga é certo, mas vale a pena e por isso seria um desperdício passar-lhe ao lado. O tema é conhecido. A globalização está possivelmente fraturada de modo irreversível, mas o contexto não é homogéneo. Há países a tirar partido das diatribes de Trump, além de que estas diatribes estão a gerar efeitos perversos contrários ao pretendido pelo seu autor. Ontem, já vimos apoiantes de Trump a queimar bonés do MAGA, pelo que em matéria de globalização fraturada teremos de seguir o sábio conselho de um dos nossos árbitros de má memória – já vi porcos a andar de bicicleta, por isso não nos admiremos com o que o futuro nos reserva nesta matéria. O olhar atento de Adam Tooze ajuda-nos a navegar nesse mar de surpresas e de efeitos contrários ao esperado.)
Os gráficos que Tooze nos propõe devem merecer uma leitura articulada. A ideia é simples. A fratura da globalização é um processo heterogéneo. O universo dos ganhadores e perdedores altera-se, mas continuam a existir ganhadores e perdedores. Simplesmente mudam.
O primeiro gráfico mostra-nos algo que o senso comum, não apenas a análise económica especializada, tinha já intuído. A agressividade da política comercial de Trump relativamente à China, na medida em que não se integra num programa coerente de reordenamento da especialização industrial americana, está simples mente a alterar a estrutura dos fornecedores dos EUA. O peso da China nas importações americanas registadas no gráfico (vestuário, calçado, mobiliário, computadores, telemóveis de pequena dimensão e semi-condutores) está a cair, não necessariamente de forma homogénea para todos estes artigos, mas em simultâneo emerge o Vietname com peso crescente nessas importações. Neste caso, a conflitualidade de Trump limitou-se a acelerar algo que era já uma crónica anunciada no quadro das sucessivas vagas de exportadores de produtos manufaturados. À medida que a China evoluísse em termos de estrutura de especialização e de remuneração salarial outros exportadores, como o Vietname, iriam obviamente emergir para ir ocupando os lugares na divisão internacional do trabalho deixados vagos pela evolução estrutural da China.
O segundo gráfico demonstra-nos que a visão completa do que está a acontecer exigirá uma análise fina do que vai acontecendo em matéria de produtos intermédios. O Vietname aumenta a sua influência como exportador para os EUA em matéria de alguns produtos manufaturados, mas a sua posição mais frágil em matéria de posição nas cadeias de valor globais leva a que as importações vietnamitas de produtos intermédios se tenham reforçado a partir da China. E daqui resulta já uma moral intermédia – as diatribes de Trump podem ter ganho uma pequena batalha da origem chinesa das suas principais importações, mas o bloco asiático tendeu a reforçar-se. Por outras palavras, a China continua a “exportar” para os EUA agora em menor quantidade em termos de exportações diretas, mas continua a exportar indiretamente através dos produtos intermédios made in China que incorporam os bens manufaturados vietnamitas. MAGA? Só no mundo da fantasia fanfarrona (as minhas desculpas senhor Presidente da Assembleia da República pelo uso desta palavra). Por outro lado, a densificação do comércio inter-asiático intensificou-se.
O terceiro gráfico é ainda mais curioso, mas também muito esclarecedor. Poderia ser resumido nesta apreciação, formulada do ponto de vista da China: Fiquem lá (os EUA) com o domínio dos combustíveis fósseis que nós, Chineses, lideraremos irreversivelmente a revolução elétrica, explorando o que vocês dominam melhor do que ninguém, o sistema de preços. Estamos a conseguir, obviamente subsidiando a produção e não como na Europa o consumo e até nos podemos dar ao luxo, através dos nossos representantes e parceiros, de aproveitar os vossos subsídios ao consumo de veículos elétricos, vendendo a nossa tec nologia.
MAGA? Só no mundo da fantasia de Trump. Compreenderia aliás que os apoiantes MAGA queimassem bonés de Trump, não que os seus apoiantes queimassem bonés MAGA.
Um pequeno mundo de curiosidades para ajudar a completar esta viagem de Alfa, repito, cada vez menos pendular.




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