(A capa que o Economist publicou umas semanas atrás, e que encima este post, na qual o líder trabalhista Keir Starmer é apresentado como um náufrago, caricatura bem não propriamente o naufrágio do Labour, mas a dissipação rápida, como é apanágio dos tempos que correm, de uma vitória estrondosa sobre os Conservadores, entretanto ameaçados de irrelevância absoluta. A posição dianteira que o desenfreado populista e impulsionador do Brexit Nick Farage assume nas sondagens mais recentes não é necessariamente sinal inequívoco de que o poder do Labour esteja no fim, mas não há dúvida de que prepara as condições para um possível naufrágio que a capa do Economist implacavelmente representa. Dissipação rápida de uma vitória estrondosa, mas sobretudo uma profunda desilusão sobre os rumos da governação que Starmer e e a sua ministra das Finanças Rachel Reeves optaram por seguir. Numa época em que a onda de direita e direita extrema e radical varre os espectros políticos de uma grande maioria dos países, uma espécie de onda internacional, matizada embora nas suas profundas diferenças, mas geradora de um poderoso efeito de contágio e de confiança para os que ousam ir mais além nas propostas de direita, estes falhanços de governação à esquerda pagam-se caro. Entradas em falso que dissipam rapidamente vitórias eleitorais estrondosas e quebram expectativas justamente alimentadas de que a esquerda, por mais moderada que seja, pode fazer de diferente. O que parece mais estranho e perigoso neste afundamento de perspetivas geradas é a sensação de que as lideranças do Labour não fazem a mínima ideia acerca das razões que explicam a sua entrada em falso. E não é por falta de gente lúcida, próxima do Labour, a apontar essas razões que o naufrágio se dará. Com os Conservadores em coma auto-infligido e com as características do sistema político britânico, o Labour tem tempo suficiente para corrigir a entrada em falso. A pressão de Farage não é, porém, para desvalorizar. Os cenários políticos mais inverosímeis têm-se concretizado para nosso espanto. Por isso, um cenário em que os instigadores do BREXIT possam ser obrigados a ter de gerir os malfadados efeitos da sua opção isolacionista pode concretizar-se, sobretudo se o Labour continuar a laborar nos seus erros de entrada.)
Entre a gente lúcida que pensa bem com proximidade ao Labour e à sua tradição, temos por vezes convocado o Professor de Oxford, Simon Wren-Lewis, autor do MAINLY MACRO, um dos mais estimulantes blogues na área da macroeconomia que visito regularmente. Assim acontece com este post, já que Wren-Lewis publicou recentemente uma perspetiva avisada dos rumos errados que a governação de Starmer e Reeves apostou, com consequências muito gravosas para a preservação da sua vantagem eleitoral inicial.
A posição do cronista é muito clara e parte do princípio sensato de que num ano de governação podem ser cometidos muitos erros (lembremo-nos dos cavernosos inícios dos governos de António Costa depois da maioria absoluta). Mas o mais preocupante acontece quando se tem a perceção de o governo não tem ideia dos erros cometidos e, mais do que isso, das razões explicativas das falhas praticadas.
São três as áreas que Wren-Lewis invoca como erros crassos de governação a corrigir sob pena de precipitar a queda no abismo da aceitação popular. Nesta invocação, existem matérias muito específicas da situação política do Reino Unido, logo com difícil extrapolação para outros governos de esquerda ou centro-esquerda na Europa. Mas há uma área cuja transposição para uma boa governação de esquerda me parece inequívoca. Resumiria essa área como o erro de projetar a política fiscal a implementar desinserida de uma rigorosa avaliação da qualidade dos serviços públicos que é necessário acautelar. Esta questão é vital para o Reino Unido, pois a governação conservadora anterior deixou os serviços públicos britânicos num estado deplorável, com reflexos graves na qualidade do sistema de saúde, da política pública de habitação e até na qualidade das infraestruturas (níveis de conservação/manutenção). Qualquer eventual subida de impostos para uma entrada de governação se não for bem explicada no contexto de respostas concretas à qualificação de serviços públicos dificilmente será entendida, gerando provavelmente efeitos de ricochete. Esta é a única alternativa viável ao choque de redução de impostos que a direita no poder tem apresentado como estímulo (na prática sempre falhado) ao crescimento económico. Será tanto mais eficaz quanto mais as melhorias programadas nos serviços públicos se relacionem com evidência clara de resposta a necessidades sentidas no terreno.
A segunda questão crítica é a posição de fio de navalha que a esquerda tem sobre a imigração. E aqui a questão é bem clara: querer agradar aos populistas isolacionistas que recriminam a imigração não por razões lógicas ou com fundamento conduzirá sempre a mais resultados, pois quaisquer que sejam as medidas preconizadas nunca o Labour agradaria a essa família de fazedores de opinião. É o eterno problema do original e da cópia. O Labour tem-se metido por atalhos perigosos e não se vislumbra uma política própria de imigração. Vai a reboque dos impulsos comunicacionais controlados por Farage.
Finalmente, o Labour permaneceu no erro de não comunicar com rigor os efeitos nefastos concretos que o BREXIT está a provocar nas pessoas e nas empresas britânicas. Confundir a necessidades desse rigor de informação com o propósito de reversão do BREXIT é simplesmente tonto, tão tonto que podemos estar perante esta possibilidade: a perceção concreta no terreno desses efeitos nefastos estar já amplamente disseminada e o governo continuar a fazer de conta que esses efeitos não existem.
Quando a perceção do contexto concreto da vida quotidiana se dissocia da que é veiculada pelo Governo isso é campo aberto para o descrédito da governação.
Não faço a mínima ideia se Starmer e Reeves sabem nadar. Mas não compreender os erros da governação é um passo para o naufrágio.

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