quarta-feira, 9 de julho de 2025

PEÇO IMENSA DESCULPA!

 

Peço realmente imensa desculpa, mas o facto é que não consigo vislumbrar um qualquer motivo de confiança e consonância em relação aos principais traços da atual configuração sociopolítica do nosso querido País – é que ninguém, de entre os que possam ou pudessem contar, acerta uma! Os exemplos são inúmeros e de toda a ordem, dos detalhes em que às vezes se escondem as grandes coisas a uma variabilidade de conteúdos com efetivo significado.

Neste quadro, talvez que o pior a que estamos a assistir seja a deriva desgovernada em termos de salvaguarda de princípios que atingiu Montenegro e o seu PSD, guiados por uma correria sem travões em que tudo parece valer para manter e consolidar um poder tão inconfessadamente precioso quanto inesperadamente alcançado e diligentemente entranhado até ao tutano. E, na verdade, aí está para o provar o modo desavergonhado como o primeiro-ministro e os seus principais acólitos (com Leitão Amaro à cabeça) encostaram o respetivo discurso e prática política às exigências e indecências do Chega em matéria de política de Imigração (onde já vai a treta do “não é não”!), chegando a limites de insuportabilidade face a mínimos expectáveis de decência e humanismo (veja-se o tratamento da questão da reintegração familiar) e a mínimos razoáveis de ponderação e sensatez perante a situação económica nacional e a carência de mão-de-obra que largamente a carateriza em muitos setores e regiões (atente-se no gráfico seguinte, extraído de um trabalho publicado no último Boletim do Banco de Portugal e segundo o qual 82% do significativo aumento de quase 15% registado no mais recente quinquénio em termos de emprego por conta de outrem é explicado pelo recrutamento de trabalhadores estrangeiros – contra um já representativo montante de 23% dos mais de 19% de crescimento do emprego no quinquénio imediatamente anterior).


Como sempre acontece, o poder que existe torna-se facilmente acompanhável por catervas de seguidores, uns apenas prontos a dizer todo o ámen que seja necessário e os torne visíveis como rigorosamente obedientes e assim capazes de serem bons respondentes a desafios do chefe e outros mais conscientemente alinhados e por isso revelando quanto a sua afiliação ideológico-doutrinária carecia afinal de afinamentos importantes por excesso de pragmatismo ou oportunismo. Um caso paradigmático tem sido o do presidente da Assembleia da República na sua qualidade oscilante entre o objetivo de um cómodo exercício de uma “das funções mais exigentes” do regime e uma certa inclinação típica de uma temerosa reverência perante as ameaças e gritarias do Chega.
 
Depois há a Oposição, abstraindo obviamente da lógica destrutiva e infame da extrema-direita. O Partido Socialista, a contas com uma marcante perda de influência eleitoral e com uma árdua transição de liderança, ainda nos revela “cromos” como Marcos Perestrello (a afrontar as bancadas em protesto contra a lista de nomes de crianças lida por Ventura e Rita Matias numa manifestação de pseudo-imparcialidade bem definidora de um socialista há muito ultrapassado pelos acontecimentos) e tenta algum relançamento pela mão de um José Luís Carneiro que aparenta confundir moderação com subserviência ou pedinchice, ao mesmo tempo que procura agradar a tudo e todos, fora e dentro (aqui com chamadas ao Secretariado de figuras com culpas manifestas no estado de alguns dossiês, como Ana Catarina Mendes), e assim poderá acabar num aprofundamento da irrelevância. A Iniciativa Liberal constitui um caso perdido de sectarismo e superfluidade, agora entregue a uma Mariana Leitão que cresceu profissionalmente na Sonangol e se apresenta convictamente alinhada com as diatribes do argentino e ultraliberal Milei. À esquerda, o PCP ainda vai resistindo ao mexer (e, também, infernizar a vida dos cidadãos) por via do seu persistente mas decrescente poder sindical enquanto o Bloco está reduzido a uma expressão mínima e parece em vias de dilaceramento interno e o Livre se apresenta tão politicamente correto que quase não apetece que se considerem as suas propostas bem-intencionadas mas desajustadas ou irrealistas. Adiante...

 (Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

Já a sociedade civil, e sobretudo as suas franjas teoricamente mais responsáveis e as respetivas exteriorizações mediáticas, vive aturdida entre os tremendos ganhos que lhe vão sendo proporcionados pela especulação imobiliária, os escândalos noticiosos infinitos (da Saúde à Justiça, da Defesa à Imigração..., com a gritaria de José Sócrates a surgir como um motivo extra de animação), as bocas abertas à volta das façanhas da inteligência Artificial, as anedotas em torno de Trump, Musk e outros integrantes do “eixo do mal” (frequentemente trocadas ao volante de Teslas do último grito), os “achismos” sobre a culposa burocracia europeia, a sucessão de Marcelo e consequentes qualidades e defeitos do Almirante, as eleições presidenciais do Benfica (regressará Vieira, a somar a uma chusma de candidatos repentinamente emergidos, para desafiar Rui Costa?) e as suas compras e vendas com vista à época que começa ou a novela que chorosamente anima o outro lado da Segunda Circular na pessoa do fugitivo Gyökeres e muitas futilidades mais. O coletivo virou assim individual e, pior do que isso, indiferença cínica em relação ao futuro cada vez mais incerto que temos pela frente – peço imensa desculpa mas a triste verdade é, definitivamente, a de que vivemos tempos miseráveis...

 (Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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