sábado, 26 de julho de 2025

A CRUZADA DO OBSERVADOR

 

(A crítica política está em Portugal num estado de lástima lamentável e até penoso. O exemplo desse grau zero do sentido crítico das coisas está no carácter isolado em que a análise crítica de José Pacheco Pereira se encontra. Aprecio sobretudo a natureza rigorosa e insistente com que a sua análise se refere ao papel relevantíssimo que o Observador, jornal online e rádio, tem assumido como paladino de um certo liberalismo de direita, cujas campanhas têm natureza muito variada, condescendendo com os abusos da administração Trump, abrindo o canto do olho à moto serra de Milei e seus comparsas, agora algo desavindos e cavalgando sempre temas que emergem decididos na direitização da sociedade portuguesa. É, de facto, impressionante como praticamente ninguém, Daniel Oliveira e Pedro Marques Lopes afloram, por vezes, o assunto, tem a veleidade de apontar a análise crítica à qualidade com que o projeto Observador se encontra, seja nas notícias online, seja no mecanismo poderoso da sua rádio. Tudo como se a qualidade e a competência jornalísticas não fossem passíveis de crítica política. Podemos reconhecer a qualidade jornalística e, simultaneamente, não deixar de apontar criticamente o projeto oculto que se desenvolve ao abrigo dessa reconhecida competência. A técnica para isolar o espírito crítico de JPP é conhecida. Ele é apresentado como um exemplo acabado do espírito do Velho do Restelo e assim se procura despachar para o universo desejado da irrelevância a implacável perspetiva crítica do cronista.)

Assumindo sem pejo que posso estar a associar-me por solidariedade a essa invocação do Velho do Restelo, sempre considerei que o projeto Observador, generosamente financiado por forças impulsionadoras da pretensa modernização do capitalismo português, puxando-a para os lados da direita mais liberal, representa uma verdadeira CRUZADA em busca de algo que lhe tem escapado entre as incidências da vida política nacional. O Observador anda persistentemente à procura de uma força política capaz de encarnar no Parlamento e, se possível, na governação, os princípios de pensamento e ação política que pretende consolidar na sociedade portuguesa.

Existem várias evidências dessa CRUZADA.

Primeiro, o ir além da Troika no governo de Passos Coelho representou a primeira tentativa de puxar o PSD para essa orientação, afastando-o dos seus valores constitutivos. O ir além da Troika representou a primeira possibilidade de reformas estruturais passando por cima da sensibilidade social dos custos e das transformações que iria determinar. O processo acabou mal e os principais artífices dessa tentativa que rodeavam Passos Coelho (Bruno Maçães, Pedro Lomba, Sérgio Monteiro, entre outros) partiram para parte incerta, expondo o falhanço da tentativa. Mas como o financiamento é generoso a CRUZADA pode ser longa e assim tem acontecido.

Segundo, a chegada de Rui Rio à liderança do PSD foi obviamente uma derrota do projeto e o jornal e a rádio nunca esconderam o seu desagrado com a personagem. No meio das suas contradições de pensamento (que não desapareceram, veja-se a sua aceitação de mandatário nacional do Almirante), Rio foi dos líderes que se aproximou mais da matriz original do PSD. Bastou isso para ser objeto de crítica permanente.

Terceiro e mais atualmente, a agenda do Observador regressou ao tom da condescendência para com a afirmação eleitoral do Chega e tem apostado tudo no estilo de governação de Montenegro. Afinal quem não tem cão caça com gato e o namoro preliminar com a Iniciativa Liberal não deu grandes frutos, estimando-se que Mariana Leitão possa merecer dessa agenda uma maior atenção. Neste caso, a CRUZADA a que nos referimos não vai parar, já que dificilmente outra força política emergirá mais próxima dos princípios que garantem ao Observador a continuidade de financiamento que tem. Mas a agenda continua abrigada na capa da competência e qualidade jornalísticas, não manifestando ainda a coragem de se afirmar também como uma agenda política. O PSD de Montenegro como tem vindo a governar é a força política que está mais à mão e por isso vai ser levado ao colo. Essa agenda não tem por agora alternativa melhor. Não foi por acaso que foi “investigação?” do Observador a auxiliar o Governo na sua estocada final a Mário Centeno. Outros servicinhos deste teor estarão na calha. É só estarmos atentos.

Nota final e complementar

A entrevista de Mário Centeno a Vítor Gonçalves na RTP 3 pareceu-me assisada e convincente. Fiquei com uma curiosidade por resolver. Centeno, surpreendentemente, surgiu a desvalorizar a chegada à comunicação social das notícias que precederam a sua não recondução, com base em argumentos de mérito de que se trataria de gente que não preencheria as exigências de classificações elevadas para trabalhar no Banco de Portugal. Chegou mesmo a afirmar que, ao contrário dele próprio, se trataria de gente que estudava para o 10 e não para as máximas classificações e que concluiriam as suas formações com o dobro ou quase dos anos possíveis. Estas referências teriam necessariamente alguém em mente. Quem? Um mistério que fica para a história de uma não recondução.

 

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