terça-feira, 20 de maio de 2025

ANSIEDADE

 
(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com) 

Uma enorme fixação tomou conta da minha cabeça desde Domingo à noite, a de procurar compreender o que para aí vai em termos sociopolíticos. Não que eu tivesse um significativo grau de expectativa quanto ao sentido do que iria ocorrer, mas porque ainda assim a dose ultrapassou tudo aquilo que eu poderia ter antecipado de pior. Resolvo-me a discorrer sobre a matéria sem grande fio condutor, dando, portanto, aso à espontaneidade do pensamento.

 

A leitura mais subjetivamente primária poderá ser sintetizada na seguinte constatação: é que nem a Spinumviva castigou Montenegro (embora talvez lhe tenha retirado a possibilidade de uma subida maior), nem a tentativa simpatia e moderação de Pedro Nuno Santos (PNS) e o seu bom comportamento parlamentar o salvaram de uma derrota humilhante, nem as vergonhosas diabruras do Chega e de Ventura os afetaram num sentido merecidamente penalizador!

 

Indo por aqui, acrescentaria numa segunda derivada confirmadora por redução ao absurdo: (i) as pessoas (i.e., a maioria silenciosa que consta dos cadernos eleitorais) querem ser incomodadas pelo mínimo e, se um governo em funções lhes for dando as benesses que tanto reclamaram, o que mais querem é que este continue independentemente de quaisquer acusações (ademais mal explicadas e facilmente rebatíveis para efeitos de convencimento de iliteratos desinteressados) que impendam sobre o respetivo chefe; (ii) o “pode alguém ser quem não é” mantem muita força, até mais do que aquela que já antes possuía, nestes tempos de completa dominação da superficialidade e ignorância através das redes sociais, o que fez com que tenha sido de palmatória o erro de PNS de acreditar que os passados episódios que protagonizou em torno da TAP e do Aeroporto de Lisboa não pudessem ter irremediavelmente marcado a essência da caricatural personagem política que as pessoas arquivaram como sendo correspondente à sua; (iii) Ventura, finalmente, foi a expressão de estar no sítio certo à hora certa e, independentemente do seu talento político destituído de freios de qualquer natureza ética, acumulou a seu favor e por junto o voto dos irritados, dos descamisados, dos desiludidos e dos desligados, aos quais se somou o dos minoritários saudosos dos tempos sombrios anteriores ao 25 de abril – daqui se deve inferir necessariamente que é integralmente distorcida, a qualquer título (sobre o que não elaborarei para não me tornar fastidioso), a interpretação dos resultados de Domingo em termos de Esquerda versus Direita.

 

Mas haverá ainda mais a pôr na carta da reflexão em presença: uma é a da responsabilidade do legado de António Costa, um legado que hoje já ninguém contesta, fora de um círculo muito restrito de aparelhistas do PS, ter sido desgraçadamente de pendor negativo, seja pela índole paralisadora e deliberadamente antirreformista do Chefe seja pelo modo como o mesmo se acomodou e deixou capturar pelos interesses de múltiplos tipos que à sua volta floresceram a um ponto degradante e inédito numa governação nacional (ademais detentora de uma maioria absoluta praticamente acabada de conquistar). Neste plano, foi para mim claro que PNS queria muito ter rompido com esta herança mas não teve para tal nem a coragem nem o tempo nem o engenho. E, ainda quanto a este plano, também me começa a parecer que o “novo PS” em construção acelerada – e precipitada? – não irá fazer esse balanço e eventual ato de contrição (a exemplo do que se foi sublinhando aquando do caso Sócrates e seu impacto na organização partidária), sem o que tenderemos a ter mais do mesmo por contraponto a um desejável e vital futuro diferente. Mas importa sublinhar que, se o PS está visivelmente confrontado com este cutelo, o PSD não ficou em condições suscetíveis de apenas festejar e seguir em frente, não só porque cresceu relativamente pouco (em número e percentagem de votos e em mandatos) mas principalmente porque vai seguramente passar a ficar confrontado com uma ameaça inédita e imprevisível da parte de uma força antissistema motivada que não olhará a limites para se lançar ao poder máximo a que desesperadamente aspira.

 

Outra coisa mais é a que provem do fenómeno Chega, para além do seu caráter mimético em relação ao que vai ocorrendo por toda a Europa (não esqueçamos de Meloni é primeira-ministra em Itália, que a AfD lidera sondagens na Alemanha e que Marine Le Pen é favorita nas próximas presidenciais francesas, para não referir as excrescências que ainda são Orbán e Fico). A este nível, o mais desesperante nem será o desapego e a incultura política das pessoas anónimas, mas muito mais a anomia individualista e interesseira das nossas elites – leninismos à parte, o exemplo das vanguardas conta bem mais do que alguns tendem a sugerir – e a situação crítica por que passa a comunicação social nacional (especialmente a televisiva), com a luta por audiências a sobrepor-se aflitivamente (com a integral prevalência da forma perante a elucidação dos conteúdos) à salvaguarda dos valores que lhe deveria caber ostentar e promover.

 

Termino, por ora, com um obrigatório alerta adicional. Ele é o da questão económica que, não obstante ir enchendo a boca adocicada de políticos da situação e de analistas e comentadores, dá crescentes sinais de um abrandamento que forçosamente provocará o regresso à tona das persistentes dificuldades estruturais do país (dos salários baixos aos constrangimentos do Estado Social, em particular). Com a economia mundial no estado de incerteza em que está – graças aos esforços da dupla Trump-Putin –, e a Europa a procurar reagir sem lograr muito mais do que esbracejar e adicionar novas fontes de indeterminação, não são de augurar tempos luminosos para a nossa “pequena economia aberta”, ademais altamente dependente e sem um rumo orientador (pese embora o autointitulado “farol” montenegrista...) que lhe defina possibilidades e horizontes de esperança.

 

Tudo isto nos remete para uma ideia de exigência e urgência que não vislumbro. Mas decerto que de algum lado, diria que de onde menos se espera, hão de vir os vestígios de nós desatados que nos conduzam à mudança, ou seja, a equacionarmos os meios capazes de nos fazerem resistir ao atoleiro social, económico e político para que a nossa inconsciência coletiva nos está a arrastar...

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