(Os anos 80 foram tempos ímpares na afirmação do regionalismo autonómico em Espanha, sobretudo com a explosão de liderança que Jordi Pujol assegurava à Catalunha com a sua Convergencia i Unión, federação de partidos políticos que agrupava a Convergência Democrática da Catalunha (CDC) e a União Democrática da Catalunha (UDC) e o sempre presente País Basco com o PNV a tecer os cordelinhos da vida política regional. A Galiza, então com a Presidência de Fernández Albor, estava ainda longe de ter a afirmação que veio a alcançar primeiro com a chegada do poder do Amigo Professor Fernando Laxe da Universidade da Corunha e depois, em termos mais consolidados com a chega de Fraga Iribarne. Através da iniciação que fiz na matéria da cooperação inter-regional e transfronteiriça quando fui consultor da Presidência da CCDR N, primeiro com o Professor Valente de Oliveira e depois com José Silva Peneda, meu amigo da escola primária e de Luís Braga da Cruz, tive a oportunidade única de mergulhar nessa experiência. Pude observar seja em Bruxelas, seja na Assembleia das Regiões da Europa, seja nas regiões de Aquitaine e Poitu-Charentes, o fascínio que a Europa das Regiões tinha pela experiência autonómica em Espanha, sobretudo em torno da afirmação ímpar das Comunidades Autonómicas Espanholas. Só o entusiasmo e o prestígio das presidências da CCDR N permitiam equilibrar essa admiração que a Europa regionalista nutria pelas autonomias espanholas. Posso mesmo dizer que o Norte conseguia através do trabalho técnico e a seriedade com que olhava a cooperação nesse plano o que as Comunidades Autónomas espanholas conseguiam pelo fulgor das suas lideranças políticas. Foram bons tempos do regionalismo espanhol, em plano muito diferente do contexto bélico e agressivo que hoje se vive na política espanhola, em que as autonomias são arma de arremesso político, sobretudo País Basco e Catalunha, ou de pressão para a chegada do PP ao poder, caso exemplar da Andaluzia e da Comunidade de Madrid. Foram também bons tempos de experiência profissional pessoal, que valeram bem o eterno adiamento da carreira académica.)
Mas não é para fazer uma digressão nostálgica por esses tempos que a crónica de hoje é elaborada. A reflexão foi-me sugerida por uma crónica do irrascível e pícaro Xosé Luís Barreiro Rivas na Voz de Galicia, também ela nostálgica, pois o politólogo galego trabalhou de perto com o então Presidente da Xunta de Galego Fernández Albor, embora não seja essa a altura adequada para o contar tenha sido a partir daí que Rivas realizou uma atribulação evolução política pessoal que esteve na base da chegada do PSOE galego ao poder na Xunta, para depois cortar com essa aproximação e fixar-se no entorno do PP de Rajoy, de quem era amigo pessoal.
A crónica é interessante pois versa sobre o relato da primeira viagem oficial de Jordi Pujol e de sua mulher Marta Ferrusola à Galiza. Nas próprias palavras de Barreiro Rivas, “o fascínio exercido por Pujol não atingia apenas os políticos, mas toda a gente admirava a sua liderança no processo de descentralização de Espanha e o seu papel, muito relevante, para o êxito da Transição espanhola”. O politólogo galego dá conta depois de uma visita de Pujol por ele acompanhada à zona da Galiza que dizia ainda desconhecer, entre Ortigueira e o Ferrol. Entre os relatos que essa descrição traz para a crónica está a avisada reflexão que Pujol realizava sobre “a necessidade de favorecer uma dinâmica descentralizadora que o Estado não pudesse travar, começando a desconfiar que o modelo de “café para todos” acabasse por diluir as comunidades históricas num marasmo confuso, tornando mais lento o que ele designava de processo federal constituinte. E insistia muito no “diferencialismo instrumental” para as três primeiras autonomias que mais tarde elevou à categoria de dogma”.
Mas o meu interesse por esta crónica está sobretudo no último relato da viagem de Pujol que Rivas documenta com grande perícia. O tema é o meu favorito das atmosferas urbanas. Durante um passeio pelo centro histórico de Santiago de Compostela, “regressamos ao Toural e seguimos pela rua do Vilar até Praterias. Vimos os escaparates das livrarias Encontros e González cheios de literatura galega e passamos pelas montras das lojas mais modernas – as de então- e alguns espaços comerciais minúsculos davam a sensação de viagem a um país exótico. Num dado momento, Pujol parou e disse-me: Vocês têm nesta rua um tesouro de identidade que para mim é idêntico ao das Ramblas. Cuidem dele porque se se perder já não pode reconstruir-se.
A Rua do Vilar era para mim em Santiago tão icónica como era o café Derby das tertúlias com os meus amigos galegos. A reflexão com que Rivas termna a crónica todas já a sentimos em vários regressos a Santiago: “No passado domingo, passando pela rua do Vilar em direção a minha casa, cheia de turistas e de lojas de gelados e quinquilharia, recordei-me de Pujol. E, estando consciente das contradições que se ocultavam no seu conselho, concordo com ele que aquele tesouro identitário está a diluir-se na pior cara da globalidade.”
Nostalgia, talvez.
Encontrar a diferença na pressão para a homogeneidade, eis a questão.

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