(Com a ajuda do historiador e economista Adam Tooze, tive acesso ao quadro abaixo elaborado por Steven Blitz para o think-tank Globaldata – TS Lombard, inspirada numa conferência recentíssima de outro historiador e economista, talvez o maior historiador da globalização Harold James. O quadro é interessante, pois isola acontecimentos marcantes na evolução da globalização, descrevendo os choques que estiveram associados a tais eventos, caracterizando os efeitos por eles provocados na globalização, de avanços e recuos, e fechando com os marcos de evolução e dominância na ciência económica. Como podem observar a partir da tabela abaixo reproduzida, até 2020-2022 foi sempre possível com alguma razoabilidade encontrar correspondência entre as células das quatro colunas da tabela. Mostra como os avanços (ou recuos consoante a perspetiva) da ciência económica são sempre contextualizados. Porém, a partir de 2020-2022 e na atualidade, a indeterminação é total. A economia não prevê, permite apenas compreender melhor o passado, mesmo que recente. Neste caso, nem os efeitos sobre a globalização estão determinados, nem se vislumbra o que é que vai acontecer de novo na ciência económica, claramente derrotada pela arrogância de Trump e da sua equipa.)
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OS CHOQUES QUE IMPACTARAM A GLOBALIZAÇÃO |
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EVENTOS |
CHOQUES IMPULSIONADORES |
EFEITOS SOBRE A GLOBALIZAÇÃO |
IMPACTO NA CIÊNCIA ECONÓMICA |
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1840-48 – A Grande Fome e Revoltas |
Tempo/Colheitas (OFERTA) |
(++) Emergência da conexão global (máquina a vapor: caminho de ferro, transporte transoceânico |
A ascensão de Marx |
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1873: Crise financeira e crash |
Sobre-expansão do caminho de ferro (PROCURA) |
(-) Pressão negativa sobre o comércio e as migrações |
Ascensão do marginalismo (Jevons /Walras/Menger) |
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1914-1924: 1ª Guerra Mundial e inflações |
Competição acesa em termos de poder (OFERTA + PROCURA) |
(-) Choque negativo induzido pela guerra e pela paz |
Karl Helfferich – Ministro das Finanças alemão durante a Guerra e posterior adversário da República de Weimar |
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1929-1938: Grande Depressão |
Crise financeira (PROCURA) |
(-) Globalização destrutiva seguida de reglobalização regulada por Bretton Woods |
Ascensão de Keynes |
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1972-82: Fim do dólar fixo e grande inflação |
Choque petrolífero (OFERTA) |
(++) Independência monetária, objetivos de controlo de inflação Reformas baseadas no mercado após a queda de Bretton Woods, entrada da China |
Escola de Chicago/Monetarismo Hayek/Friedman |
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2008-2012: a Grande Recessão |
Crise financeira (PROCURA) |
(-) Regresso do nacionalismo e maior concorrência em termos de poder |
Ascensão do MIT (Ben Bernanke |
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2020-2022: COVID e Ucrânia |
(OFERTA) |
( - + ) |
Ascensão da política fiscal |
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2025: rebalanceamento do comércio |
Direitos aduaneiros USA (OFERTA + PROCURA) |
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FONTE: Elaborado por Steve Blitz com inspiração direta na conferência proferida pelo historiador da globalização Harold James “Global Strategic Issues” no Hoover Institute of Monetary Policy, 9 de maio de 2025 |
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É curioso que a sequência da Grande Recessão (2008-2012) e das crises COVID e Ucrânia (2020-2022) sugeriu que, em matéria de efeitos sobre os paradigmas económicos, poderia consumar-se uma espécie de retorno a Keynes, doseada com alguma aposta em políticas de oferta. Mas o encadeamento desses dois acontecimentos, que viria a determinar o penoso regresso da inflação, foi rapidamente estilhaçado pela desregulação completa do comércio e da ordem internacionais provocada por Trump e sua equipa.
E rapidamente se entrou no reino da mais completa e irredutível indeterminação. É discutível que a ciência económica esteja rotinada para forjar endogenamente grandes evoluções neste tipo de contextos. Pelo menos no que respeita ao mainstream económico, em que a previsão é perfeita e não existe incerteza, não é difícil concluir que se mova mal nestes ambientes de completa e irredutível indeterminação. Aliás não é por acaso que entre os economistas universitários americanos, de orientação política mais liberal ou até de esquerda e os mais tradicionalistas que não gostam de se envolver no debate político, exista hoje uma grande convergência, está tudo de candeias às avessas com a administração Trump. Nada bate certo com aquilo que se ensina competentemente aos alunos dos diferentes níveis de graduação.

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