(Devo confessar que não me arrependo em nada de ontem ter impetuosamente escrito uma crónica apenas com os resultados da sondagem à boca das urnas e não com resultados efetivos. Já compreenderam que a escrita é para mim uma importante forma de desabafar e ontem com aqueles resultados iniciais não me restava outra opção senão desabafar, escrevendo. À medida que os resultados efetivos iam aparecendo fui compreendendo que não me enganara e que as minhas intuições geradas a partir das sondagens à boca das urnas estavam infelizmente certas. Talvez me tenha surpreendido a relativamente baixa votação da AD embora ganhadora e existam curiosidades que valerá a pena analisar com maior profundidade, como é por exemplo a necessidade de explicar porque é que o PS perde em alguns casos para a AD e noutros diretamente para o Chega e neste último caso o Alentejo é um alfobre de casos de afirmação inequívoca do Chega, com algumas situações em que a CDU, pasme-se, mas a demografia explica muita coisa, a CDU passa a ser a quarta força política em novos feudos do Chega. Até nesta dimensão, fenómenos que começaram na Europa há já algum tempo, caso da Frente Nacional em França, acabaram por chegar a este pobre país. A mutação do PCP para o Chega aí está como o registado em França e feudos comunistas estão agora transformados em feudos da extrema-direita em Portugal. Acho que também consegui antecipar o que seria a reação de Pedro Nuno Santos e fica para a história aquele rosto crispado, tenso e incomodado quando desceu dos elevadores do velho Altis para dar a cara a tão funestos resultados. Mas, agora que revejo mentalmente as minhas impressões que fui recolhendo ao longo da noite sem comprometer o que escrevera como forma de terapia do desabafo, existe uma outra ideia que me se tornou clara quando escutei com atenção os discursos dos três principais derrotados da noite eleitoral, as lideranças do PS, da CDU e do Bloco de Esquerda. A inexistência total de autocrítica de Pedro Nuno Santos, Paulo Raimundo e Mariana Mortágua é para mais tarde recordar e diz bem, em meu entender, do estado lamentável a que a esquerda chegou. É sobre essa ausência de autocrítica que gostaria de elaborar algumas reflexões complementares á minha reflexão de ontem.)
Quando divago pelas minhas memórias dos tempos que se sucederam ao 25 de abril de 1974, o tema da autocrítica em política era fonte de debates acesos à esquerda. Havia forças políticas, principalmente as de filiação maoista, que se destacavam nesse esforço de autocrítica, como passo indispensável para a definição de novos rumos interpretativos e de ação concreta. Nunca fui um fervoroso adepto dessas práticas, sobretudo quando levadas a um extremo como frequentemente eram praticadas, mas temos de convir que passar dessa obsessão para a completa ausência de um esforço de compreender o que correu mal numa eleição é algo de insuportável e que diz bem do caráter das lideranças a que me refiro.
A ausência de qualquer lampejo de autocrítica por parte de PNS é trágica, sobretudo porque foi acompanhada de um discurso revanchista a longo prazo, do tipo “andarei por aí a ver o que os que me vão suceder irão conseguir fazer, à procura do meu timing político que desta vez fui obrigado a antecipar”. Foi lamentável que PNS não tivesse mais nada para dizer do que o que foi sistematicamente martelado na campanha, sem qualquer vislumbre de ter compreendido as razões do colapso sofrido pelo PS. Foi como se o corpo tivesse estado à beira do colapso total e depois se ignorasse as razões possíveis para se ter chegado a esse estado de coisas. A afirmação de que iria estar atento às explicações dos que as vão apresentar em sede de Conselho Nacional, mas o tom em que o disse não foi um prodígio de humildade democrática e isso é uma das causas explicativas do resultado alcançado pelo PS. Tenho dúvidas neste momento que seja possível ao PS passar de uma reflexão por mais aprofundada e séria que seja a um esforço efetivo de reconstrução efetiva dos rumos para o partido, conforme o sugerido por António Vitorino. Estou em crer que ainda iremos falar bastante da bolha em que PNS se deixou envolver.
Quanto a Paulo Raimundo, que não resistiu a deixar o lamiré de que a CDU poderia manter os seus 4 deputados, a ausência de autocrítica já é clássica, a ela já estamos habituados. Mas a transformação dos seus feudos alentejanos em novos feudos do Chega justificaria alguma palavra. De qualquer modo, face ao descalabro dos outros, manter 3 deputados é obra e em parte justifica a inexistência da autocrítica.
Trágica e patética foi a reação de Mariana Mortágua, como se a perda de um grupo parlamentar não fosse algo que valesse a pena ensaiar uma explicação séria. O grande derrotado Francisco Louçã não apareceu e foi penoso ver um Fernando Rosas, velho e cansado, a fazer parte daquela estranha encenação, como se o Bloco tivesse ganho alguma coisa. A curta sessão a que ontem assistimos pareceu mais uma sessão de terapia de grupo para consolar militantes em estado de negação do que uma verdadeira comunicação de noite eleitoral. A história recente está a ser madrasta para o Bloco, mas choca-me a indiferença com que a sua liderança anima o seu próprio enterro.
Suspeito por tudo isto que a autocrítica foi banida do discurso político.
Eles lá sabem o que fazem e quem sou eu, cronista impuro e desajeitado, para o contrariar.

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