(Na passada segunda-feira à noite, ainda na ressaca do regresso de uma curta viagem, assisti na televisão a um jogo de futebol especial, incomparavelmente distinto do que foi ontem o empolgante INTER-BARCELONA, mas não por isso menos emotivo. Estou a referir-me ao AVES SAD-BOAVISTA, no chamado campeonato dos aflitos. Impressionou-me vivamente o entusiasmo dos adeptos do BOAVISTA que acompanharam a sua equipa até à Vila das Aves. O registo desta pequena crónica é necessariamente intimista, pois o BOAVISTA era o clube do meu Pai, foi através dele que se concretizou a minha iniciação futebolística e não há socialização mais forte do que a da relação Pai-Filho nas bancadas do Estádio do Bessa. A história da minha mudança ainda criança dos axadrezados para o SLB explica-se pela intervenção de um inspetor da Judiciária do Porto, o Inspetor Bastos, benfiquista de gema, amigo do meu Pai e cliente habitual do restaurante do meu Avô José, então proprietário do hoje ainda existente Restaurante o Botas, na Travessa do Carmo, bem em frente ao edifício da GNR, que me fez sócio do Benfica ainda não tinha entrado na instrução primária. Por tudo isto, o jogo de segunda-feira foi para mim uma carrada de emoções, tanto mais que o BOAVISTA vive dias difíceis, precisava urgentemente de uma vitória, até porque se perdesse descia automaticamente à segunda Liga. Vibrei com a vitória arrancada a ferros, com um novo treinador que o clube foi desencantar nos fins do mundo, um escocês de grande tarimba, que tudo indica galvanizou aquele arremedo de equipa em termos táticos e, mais do que isso, levou a massa associativa atrás numa espécie de ressurreição salvífica, que adiou o pior, até porque com o FCP em casa e o Arouca fora, o horizonte do Bessa continua o pior possível.)
Desde que os axadrezados foram campeões com o inconfundível Jaime Pacheco, a história do Boavista é de um manifesto plano inclinado, sobretudo na sequência de inequívocas incompetências de gestão já iniciadas no mandato de Valentim Loureiro e depois no de João Loureiro, seu filho.
Esse plano inclinado tem-se traduzido em sucessivos constrangimentos financeiros, com impedimento de novas contratações, limitações enormes na constituição do plantel que só a formação desportiva da casa ajudou a aguentar. Este ano, no chamado mercado de janeiro, o clube conseguiu desencantar um conjunto de jogadores encalhados no desemprego, em média de idade avançada, mas com alguma qualidade, da qual o guarda-redes checo Tomás Vaclic constitui o exemplo mais sonante e que tem valido em alguns jogos do salve-se quem puder.
A permanência no clube, sabe-se lá porquê, de jogadores de uma alma insuperável, como o colombiano Seba Pérez e o espanhol Rodrigo Abascal, a qualidade da juventude de um Reisinho que não se entende a razão da sua permanência e a abnegação por vezes desajeitada de Salvador Agra, aos quais se junta o avançado-centro da seleção da Eslováquia Bosenick, gerou um caldo de equipa que o tal escocês de tarimba, Stuart Baxter, parece ter reacendido, sabe-se lá com que poção mágica.
O jogo desta segunda-feira foi comovente, embora as minhas emoções devam ser contextualizadas pela minha relação afetiva com este clube símbolo da resistência dos pequenos. A sequência do jogo colocou o BOAVISTA primeiro na descida à segunda liga, para depois levar a cabo uma recuperação épica.
Intertemporalmente foi como se continuasse nas bancadas do velho Bessa a vibrar com o meu Pai que conhecia pessoalmente o Fernando Caiado, velha glória dos axadrezados. Da minha poltrona para aquelas bancadas da memória foi uma longa viagem afetiva. Dois jogos mais e veremos se o escocês de olhos felinos conduzirá o BOAVISTA à redenção. Espero que sim.

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