terça-feira, 6 de maio de 2025

DA CONGRUÊNCIA DA CAVACAL FIGURA

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Antes de avançar para este post, perguntei-me seriamente se ainda valeria a pena perder tempo a analisar os sempre cirúrgicos escritos de Cavaco, ou seja, a denunciar a sua invariável parcialidade em tudo quanto são opções políticas neste País. Não me refiro, obviamente, às suas legítimas simpatias partidárias e às escolhas de voto que entende patrocinar, mas sim ao modo arrogante e altivo – qual infalível e sempre eterno Presidente! – com que pretende fazer passar apreciações inteiramente marcadas pela subjetividade mas objetivamente questionáveis à luz da verdade dos factos e/ou do inalienável cumprimento das regras democráticas que deve prevalecer em qualquer comunidade que preze os valores da dignidade acima dos favores do afilhadismo.

 

Acabei por seguir em frente, sobretudo porque os tais escritos, por muito que já não interessem à maioria dos cidadãos, continuam a beneficiar de um significativo tempo de antena nos nossos órgãos de comunicação e comentário. Começou Cavaco por afirmar neste seu novo texto do “Observador” o seguinte: “A minha escolha de Primeiro-Ministro fundamenta-se em três critérios: a capacidade política e técnica, a dimensão ética na vida política e a proposta de política geral do Governo”. Ora, enquanto o primeiro e o último dos critérios relevados podem ser objeto de discussão e discordâncias diversas quanto à sua operacionalização concreta (no que pouparei os leitores), o critério do meio contem muito mais na carta do que aquilo que Cavaco vem dizer sobre “os comportamentos e atitudes dos diferentes líderes partidários da oposição” por comparação ao atual Primeiro-Ministro.

 

E a virtude montenegrista em termos de “dimensão ética e moral na vida política” é depois escalpelizada em três parágrafos que não primam minimamente pela honestidade intelectual. No primeiro, seleciona privilegiar uma alegada “campanha de suspeições e insinuações movida por partidos da oposição e por alguma comunicação social contra a pessoa do Primeiro-Ministro” (que qualifica de “mais confusa e desinformativa do que esclarecedora” e de ser “em boa parte, centrada na devassa da sua vida privada”) para postular que “não inferi que Luís Montenegro tenha violado quaisquer princípios éticos ou cometido ilegalidades” – sendo que ilegalidades ainda não surgiram publicamente denunciadas por ninguém mas quanto a princípios éticos já poucos são os que restam a não considerar e demonstrar à saciedade que faltaram.

 

No segundo parágrafo, Cavaco concede que Montenegro “cometeu inicialmente um erro de avaliação” mas circunscreve-o por razões de enquadramento externo (“tempos de fortíssima concorrência entre os meios de comunicação social” e consequente exigência por parte destes quanto a “conhecer e divulgar sobre a vida pessoal dos agentes políticos”) e de uma comprovada “boa-fé” posterior que tudo limpa (especialmente se acompanhada da insinuante ideia de uma correção feita “de maneira superlativa”!).

 

O último parágrafo vai à moção de confiança que Montenegro quis apresentar e não quis a todo o custo retirar. Dizendo: “a campanha de suspeições e insinuações foi o pretexto de partidos da oposição para criarem um clima político de tal forma inflamado e paralisante da ação do Governo que não lhe deixou alternativa que não fosse a de confrontar a Assembleia da República com uma moção de confiança”. E mais acrescentando: “foi a rejeição pela oposição dessa moção que implicou a demissão do Governo e a realização de eleições antecipadas”. Nada de cálculo político por parte do PSD e AD, nada sobre os “esclarecimentos” do primeiro-ministro no Parlamento, nada quanto aos dados e elementos supervenientes...

 

Neste quadro, não encontro melhor forma de concluir este meu curto apontamento do que citando a corajosa linearidade analítica de João Miguel Tavares quando conclui assim a sua crónica de hoje no “Público”: “Não é só André Ventura que desprestigia as instituições. O artigo de Cavaco fez o mesmo.

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