(Pois se ontem rumei a sul para explicações eleitorais, também o fiz por motivos de lazer e dar um destino a prendas de vouchers dos 50 anos de casados, que aguardavam uma aberta de trabalho para os utilizar. De passagem por Lisboa para revisitar a família lisboeta, eis o mote do fim de tarde no Jardim de Santo Amaro, mais propriamente Jardim Avelar Brotero, aquele que o extinto blogue de José Pacheco Pereira utilizava para a fotografia da passagem do tempo. As sextas e os sábados naquele espaço têm um encanto de praça espanhola, a convivialidade própria de quem à volta de um copo socializa e deixa que os miúdos partilhem brincadeiras, prolongando a sua experiência de estar juntos numa Escola. Sou um aficionado destes espaços e das atmosferas urbanas que eles possibilitam, as Cidades identificam-se para mim com estas atmosferas, dentro do princípio que para mim é sagrado de que o espaço público não faz tudo, potencia e favorece, mas têm de ser as pessoas a dar um sentido a esses mesmos espaços. A política pública urbana tem de ter esta humildade e nada mais. Enquanto gozava aquela atmosfera acompanhado de uma Tulipa de cerveja, bem necessária para um dia de canícula apertada, mesmo ao fim da tarde, não pude deixar de refletir politicamente. É essa pequena reflexão que anima o post de hoje.)
Alcântara é uma freguesia ainda longe de estar gentrificada, apesar da habitação estar cara que baste. A Junta de Freguesia é do Partido Socialista e nas eleições de 18 de maio a AD ganhou taco a taco com o PS e o Chega quedou-se por uma votação bastante abaixo da nacional, creio que em torno dos 14%.
Não pude deixar de reconhecer que naquele fim de tarde tão convivial, não se pressentia o tal ressentimento que atirou uma grande faixa dos eleitores para os braços do Chega. Mas também rapidamente compreendi que naquela convivialidade não existiria provavelmente trabalho precário, baixos salários e uma vida infernal de subúrbio sempre em aflição desesperada para deixar os filhos na Escola. Qualquer greve de serviços públicos, transportes, médicos ou professores coloca a vida infernal dessa gente em situação calamitosa, suscitando novas dificuldades e rebaixando salários. Todas as pessoas ali presentes talvez não usufruam da habitação que desejariam, mas têm casa e condições para exercitar o lazer, seja na sexta-feira de fim de tarde prolongando-se pela noite ou no sábado.
Pois estou de acordo que a esquerda não compreende que o ressentimento social substituiu velhos conflitos classistas e que não tem suscitado a atenção necessária, conduzindo a situações de abandono e isolamento político, situação sempre recetiva. A votação em Alcântara é assim coerente, mas isso não pode significar a ignorância do ressentimento dos que enfrentam condições objetivas suficientemente reais para o justificar.
A reconstrução da esquerda, particularmente do PS, ou compreende a dimensão destes novos conflitos ou caminhará para a irrelevância. E há exemplos na história que ajudarão a compreender esta inevitabilidade.
Escrevo na quietude de terras do Sado, em Alcácer do Sal, na Pousada que se abre sobre essa quietude.
A esquerda também aqui resistiu.
Uma boa noite de canícula.

Sem comentários:
Enviar um comentário