(O Prémio Princesa das Astúrias assenta em critérios em meu entender bastante rigorosos e as suas escolhas refletem regra geral uma cuidadosa avaliação do pensamento sobre o mundo cívico e interventivo. Neste caso, fui atraído pela atribuição do prémio Humanidades ao filósofo alemão de origem coreana Byung-Chul Han e despertou-me a curiosidade de ler alguma coisa de alguém que me era desconhecido, não no nome, mas nas suas propostas concretas de interpretação do mundo de hoje. A sua pequena obra A Sociedade da Fadiga, consultei a versão espanhola La Sociedade del Cansancio, edição da Herder, que tem editado praticamente toda a obra, pareceu-me a mais adequada para responder a esta minha curiosidade. A ideia da sociedade da fadiga provém de um modelo social em que todos se esfalfam pela captação de rendimento, numa espécie de autoexploração das nossas capacidades, numa luta permanente pelo resultado. A este paradigma associam-se efeitos psicológicos como o cansaço, o aborrecimento e o esgotamento e ao nível psiquiátrico outras sequelas emergem como a impaciência, a falta de atenção e o esgotamento.)
Mas da leitura desta pequena obra, interessou-me sobretudo a articulação que o filósofo alemão realiza entre questão do mundo da biologia e o social, numa linha que me recordou o pensamento do saudoso Nuno Grande que, nas nossas tertúlias da associação Resultante explorava muito esse filão.
Não encontrei melhor forma para sublinhar o meu interesse do que uma longa citação do filósofo alemão, que irão percebê-lo, vai direitinha a um dos nossos problemas contemporâneos, um autêntico mar aberto para o populismo mais demagogo, como aliás a campanha eleitoral portuguesa o está a manifestar:
“A subtil interação que se produz entre os discursos sociais e os biológicos. As ciências obedecem a modelos que não sempre científicos. Por isso, quando a Guerra Fria acabou também se observou uma mudança de paradigma na imunologia científica. A imunologista norte-americana Polly Matzinger rejeita o antigo modelo imunológico da Guerra Fria.
A sua tese é que o sistema imunitário não distingue entre o eu e o não-eu, e”ntre o próprio e o estranho e alheio, apenas o faz entre o amistoso e o perigoso. (Ver Polly Matzinger, “Friendly and dangerous signals: is the issue in control?, in Nature Immunology, volume 8, I, 2007, pp.11-13). O objeto da rejeição não é a estranheza nem a alteridade enquanto tal.
Apenas se rejeita o intruso externo quando este atua destrutivamente no interior do próprio. Neste sentido, enquanto não se note a presença do estranho, o sistema imunitário não o atacará. Segundo esta ideia de Matzinger, o sistema imunitário biológico é mais hospitaleiro do que até aqui se pensava. Não é xenófobo. Por isso, é mais inteligente do que uma sociedade xenófoba. A xenofobia é uma resposta imunitária patologicamente exagerada, que é nociva até para o desenvolvimento do próprio.
Devo reconhecer que este pequeno excerto vale mais do que milhentas páginas que têm sido escritas sobre a questão da imigração, ou ainda, vale ainda mais do que todos os Leitões Amaros deste mundo.
O Prémio Princesa das Astúrias acertou na mouche.

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