sexta-feira, 30 de maio de 2025

PRESIDENCIAIS E NÃO SÓ

Sinto que não devo ser conivente com o facto de este espaço prescindir do registo de um momento político português que constitui mais um sinal dos tempos inenarráveis que vivemos, o do dia em que se lançou publicamente na campanha para as Presidenciais o famoso ex-almirante Henrique Gouveia e Melo (HGM) e também o dia em que simultaneamente o PSD cumpriu o seu penoso calendário de apoiar um pequeno mas obstinado candidato àquelas eleições na pessoa de Luís Marques Mendes. Admirar-me-ia que não estivéssemos perante o vencedor e o grande derrotado, respetivamente. Em relação ao segundo só consigo expressar compaixão, após ter assistido do sofá a uma década semanalmente sacrificada num esforço insano para seguir as pisadas do mestre Marcelo e lhe suceder no trono de Belém. Quanto ao primeiro, lá terá de ser, ou seja, podia ser pior na presente conjuntura de aceitação de populismos descontrolados; embora não simpatize particularmente com a ideia de que os meus concidadãos privilegiam a opção pelo autoritarismo e pela ordem que parecem provir de um homem que viram fardado a executar uma missão patriótica e que se lhes afigura suficientemente carrancudo para os ajudar a melhor ultrapassem a atual síndrome tóxica presidencial. O discurso de apresentação foi simplesmente vulgar, cheio de lugares-comuns, de politicamente correto e de “louva eus” oscilando entre o pueril e o descabido, e a pose do protagonista mostrou-se tensa e pouco natural como talvez se possa compreender na circunstância; mas os apoiantes publicamente reconhecíveis que lhe vi na plateia (Isaltino, Ângelo Correia, Carlos Carreiras, Mário Ferreira, etc.) não são de molde a que me reveja confortavelmente nas companhias e pergunto-me, além disso, se HGM irá resistir a chamamentos que lhe retirem a dimensão apartidária, designadamente ao tolerar uma eventual colagem do Chega (que não seria despicienda no plano dos números). Enquanto ficamos à espera das cenas dos próximos capítulos desta novela, com o Partido Socialista a lamber as feridas e quase certamente condenado a mais uma derrota gigantesca por via da insistente e invendável figura de António José Seguro (à qual as intervenções de Álvaro Beleza acrescentam razões de repulsa às do desapego que lhe são próprias), é tempo de aguardarmos pelas evoluções de outras novelas igualmente em curso, das revelações da equipa ministerial de Montenegro (ficarão as ministras inconcebíveis, leia-se da Administração Interna, da Cultura e da Saúde por ordem decrescente de vergonha alheia?) ao Governo Sombra de Ventura (vaticino-lhe um inconseguimento ruidoso), da revisão constitucional liderada pelo oportunista Rocha aos sinuosos caminhos que Carneiro enfrenta, da solidão de Mariana Mortágua à magnífica previsibilidade do PCP. O povo e as elites, esses estão noutras, aquele profundamente desalentado e desligado e estas numa senda de acumulação que já se vai tornando em patologia comandada por uma ganância incongruente à luz de quaisquer mínimos olímpicos.

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

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