quarta-feira, 21 de maio de 2025

O MAPA DA FRUSTRAÇÃO

 


(Nunca pratiquei boxe e por isso a metáfora que vou utilizar é arriscada. Mas tenho a impressão de que quando levamos uma valente porrada do adversário e ficamos zonzos, o fundamental é convencer-nos que ficar tonto faz parte do negócio e que só uns tempos mais tarde teremos pachorra para tentar compreender como é que esse adversário nos atingiu. É isso em parte o que a noite eleitoral de 18 de maio nos trouxe e só agora existem condições para olhar com mais atenção o que chamo de mapas da frustração. O mapa dos vencedores concelhios que abre este post é uma imagem inspiradora para compreender o tufão político que varreu o país numa primeira leitura e sem ainda aprofundar a análise por tipologias de freguesias. Todos já sabíamos que as sociologias do Norte e do Sul são marcantes e por vezes ignorámo-las, com o custo elevado de abdicar de explicações territoriais mais profundas. Na verdade, por mais que se insista no facto dos resultados de 18 de maio terem uma dimensão nacional inequívoca, os pronunciamentos dos eleitores são concretizados a partir de territórios específicos e não será por se tratar de eleições nacionais que devemos desprezar o contexto territorial. O laranja dominante acima grosso modo do Tejo é deveras impressionante, pois não há um que seja vencedor do Chega e Vizela é um enclave socialista no contexto de um Médio Ave em que o PS tem alguma tradição que parece ter-se esfumado nesta eleição. O Vizela mereceria por isso a subida à primeira divisão. Não existem ainda análises que expliquem se o alaranjamento massivo se deve a uma luta direta entre a AD e o PS ou se, pelo contrário, foi o Chega que debilitou o PS, abrindo o caminho à mancha laranja. A sul, porém, a imagem é mais complexa e combina coisas que eram já antecipáveis e outras que são totalmente novas interpelando visões mais compreensivas do fenómeno.)

A norte, só com muito esforço e imaginação poderíamos admitir que aí existe uma maioria sociológica propensa a escutar a mensagem socialista. Em regiões como o Médio Ave, graças ao trabalho passado de lideranças municipais, intermunicipais e partidárias, o PS conseguiu alguma implantação que resistiu durante bastante tempo, sobretudo devido a um quadro institucional local que fez o seu trabalho, embora decaindo ao longo do tempo em termos de qualidade da intervenção e dos protagonistas, não me causando por isso espanto significativo esta onda AD que se instalou no território. A grande interrogação que aqui se levanta é a de saber se esta última terá ou não uma consequência decisiva nas eleições autárquicas e a verdade é que não sou capaz de o antecipar. Parece-me que isso vai depender das figuras dos Presidentes do PS e os seus possíveis substitutos nos casos em que se perfilem fins de mandato.

A sul, como referi, a interpretação é mais complexa. A ascensão do Chega no Algarve era conhecida e os resultados dizem que nem AD, nem PS trabalharam sob a orientação certa para bloquear o crescimento do Chega. Existe algum ressentimento regional, em parte justificado, pelos atrasos significativos que projetos como o Hospital Central do Algarve e a modernização da estrutura ferroviária continuam a apresentar, no quadro de uma Região que perde influência política desde há muito. E foram as intempéries climáticas e a generosa chuva que encheu as barragens que salvou a Região de mais ressentimento, pois uma seca tem efeitos devastadores e isso esteve prestes a acontecer.

Por outro lado, a ascensão do Chega em concelhos como Portalegre e Estremoz era já referenciada com memórias presentes do antigo regime que o partido de Ventura tem capitalizado, no quadro de um declínio que é estrutural e que não é propriamente uma fonte de esperança.

Mas uma fonte de novidade é o que se passou com os resultados na proximidade norte do Tejo, uma grande parte da Lezíria, e parte da cintura industrial a sul de Lisboa, começando pela emblemática Setúbal, que de repente emergiu como um feudo conquistado pelo Chega. Se na Lezíria tudo indica que o mundo dos touros e da ganadaria se virou em grande medida para o Chega, na cintura industrial a novidade é ainda maior, pois significa que a direita radical assentou arraiais na cultura operária e industrial. E, neste caso, a similaridade com a ascensão da Frente Nacional em França é por demais evidente, tanto mais dramática quanto mais Ventura não é Marine Le Pen em termos de densidade política.

Interrogo-me se a ascensão do Chega é uma questão de vazios políticos ocupados agilmente pelo partido do Ventura (inação ou alheamento da AD, PS e esquerda à esquerda do PS) ou se, pelo contrário, a ascensão é fruto de uma contenda real. Resta a hipótese da ascensão do Chega, com matizes territoriais, ser a expressão máxima de uma vontade expressa de abanar o sistema para ver o que vai acontecer. Curiosamente, alguns testemunhos apanhados ao acaso na televisão seguem bastante esse modelo de provocar um abanão, mas aqui o que muitas vezes acontece à escala do votante individual é tratar-se de um simples abanãozinho, mas os “agitadores” rapidamente se apercebem que o resultado global foi mais intenso do que desejariam. A ideia do abanão é tanto mais sedutora quanto mais é claro que a capacidade política e técnica do Chega é bem mais débil do que a sua votação poderia representar.

Em toda esta interpretação fica-me a ideia de que globalmente a ascensão meteórica do Chega não pode ser explicada pela existência de memórias recalcadas do antigo regime de Salazar. Como já o referi, ela existe em alguns territórios como os da ganadaria, mas a sua expressão não explica a ascensão global e a amplitude da mesma. Ainda mais difícil de explicar é a entrada do Chega na população mais jovem. Mas já há dias tínhamos sido avisados com o resultado de uma sondagem que sustentava que os jovens masculinos tinham 5 vezes mais a propensão para aderir à extrema-direita do que as jovens mulheres, em parte os mesmos que protagonizam a violência no namoro.

Será que as personalidades e senadores da educação democrática já pensaram nisto como indicadores tenebrosos dos resultados do sistema?

Talvez valesse a pena, enquanto é tempo.

 

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