(O autoritarismo de Trump vai-nos mostrando que as suas tropelias não se quedam pelo económico, como a mais recente retoma da pressão sobre Harvard o ilustra perfeitamente, agora com a proibição de aceitar alunos estrangeiros e obrigar os atuais a mudança de Universidade sob pena de perda de vistos de permanência. Mas continuo na minha de que a política económica vai ser o calcanhar de Aquiles da administração Trump e, uma de duas, ou a mundo do business americano concorda com o suicídio coletivo ou, mais tarde ou cedo, irão emergir as primeiras fissuras e cisões. Por isso, vale a pena regressar ao mistério do dólar que deveria ter-se apreciado na sequência do choque dos direitos aduaneiros e, pelo contrário, tem vindo a perder valor relativamente a todas as moedas representativas do mundo das trocas internacionais. A questão não é irrelevante, pois a sustentação dessa depreciação pode trazer consigo efeitos sistémicos, designadamente enfraquecendo o bastião da moeda hegemónica, com propensão para os investidores internacionais querem livrar-se de ativos denominados em dólares, sejam os populares títulos do Tesouro americano, seja batendo em retirada no mercado das equities. O problema é complexo e certamente que não suscita uma explicação única. O economista americano Brad W. Setser publicou no Council on Foreign Relations um post onde procura sistematizar um conjunto de hipóteses explicativas para tentar explicar as razões das estimativas dos conselheiros económicos de Trump terem falhado. O Secretário de Estado Scott Bessent, apontado como o menos lunático da entourage de Trump, estimou então que uma taxa média de 10% de direitos aduaneiros sobre as importações americanas conduziria a uma apreciação do dólar de cerca de 4%. Enganou-se e não foi por pouco.)
A dimensão de análise do artigo de Setser que gostaria de destacar neste post é a sua preocupação, bem conseguida, de situar o dólar antes da errática ofensiva aduaneira de Trump no quadro de um período anterior mais alargado de evolução.
E os números não enganam. O dólar vinha experimentando uma apreciação sustentada desde já há muito tempo com a correspondente e esperada degradação da capacidade exportadora dos EUA.
O gráfico que abre este post é de uma clareza extraordinária, com as curvas das variações do dólar e das exportações a evoluírem claramente em sentido contrário.
Com este comportamento não é preciso ser um grande expert na matéria para entender também como esperada a degradação do défice externo corrente americano sem incluir o petróleo.
Com este panorama, não se compreende a ofensiva aduaneira de Trump, sobretudo quando ela é acompanhada da estimativa do seu Secretário de Estado que isso iria conduzir a uma apreciação do dólar.
Porque é que o contexto da evolução anterior do dólar não é despiciendo? Ele é relevante pois a moeda americana pode ter atingido um pico de apreciação e nesse contexto todos os santos ajudarão a que a ofensiva aduaneira de Trump possa ter companhia indesejável na tendência de depreciação que a falta de confiança na “palavra” da política económica americana pode induzir.
É que nas condições de moeda refúgio e porto de seguro, os efeitos da perda de confiança na sua estabilidade não se limitarão a efeitos sobre o comércio externo americano. Terão uma forte influência na procura de ativos denominados em dólares. Ora uma moeda hegemónica e de refúgio seguro não se compadece com a perceção dos investidores de que é necessário ir em busca de outros refúgios.


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