sábado, 31 de maio de 2025

POR TERRAS DE LUSTOSA, LOUSADA

 


(O funeral de uma antiga funcionária dos meus sogros, a saudosa Rosa, levou-me hoje de manhã bem cedo a terras de Lousada, mais propriamente na antiga freguesia de Lustosa, hoje União das freguesias de Lustosa e Barrosas, praticamente contígua ao concelho de Vizela, o tal que de repente adquiriu notoriedade pela vitória do PS nas eleições de 18 de maio, pela impetuosidade marital do seu Presidente da Câmara a quem o PS de Pedro Nuno Santos retirou a confiança política e pela mais que provável não subida de divisão para a primeira Liga do Vizela, amanhã em confronto final com o Aves SAD (derrota na primeira volta do play off por 3-0) . Não pode deixar de registar o carinho daquela comunidade para com uma das suas nativas, a igreja Matriz praticamente cheia e um sentimento de companhia ainda apreciável, visível na generosidade e sinceridade da sua aproximação aos filhos e respetiva descendência. Somos padrinhos de casamento da filha Marta e isso tem permitido que acompanhe com alguma reflexão aquela comunidade em transição acelerada, desde que o surto de industrialização, sobretudo têxtil vestuário e também têxteis lar e calçado, ali entrou e revolucionou o emprego local, com precariedade e muita, mas introduzindo uma melhoria significativa no rendimento das famílias. Quando reflito na evolução social da família da Rosa e da Marta chego rapidamente à conclusão de que a democracia trouxe boas coisas aquele lugar e aquela família. A qualidade da infraestruturação básica é notória e o elevador social daquela família é flagrante. Os avós (a Rosa e o marido) eram respetivamente empregada doméstica e trabalhador de obras públicas, com a escolaridade primária, a Marta e o marido são operários industriais com avanço na escolaridade secundária e a sua filha mais velha é hoje advogada, licenciada em Direito com distinção pela Faculdade de Direito da Universidade do Porto. Um exemplo claro e bem-sucedido de melhoria na escala social, não como uma simples dádiva, mas com muito trabalho e sacrifício à mistura.)

Consultei os registos eleitorais e verifiquei que, com vitória da AD, esta e o PS têm uma maioria confortável, com o Chega a incomodar um pouco, mas ainda não tão ameaçador como noutros cantos do país. Interrogo-me se o exemplo daquela família é um caso isolado e concluo que não. Aliás, bastava estar atento ao universo de residentes e amigos da Família que encheram praticamente a Igreja Matriz para compreender que, nem sempre bem-sucedida, a industrialização naquelas terras alterou profundamente as condições de vida e longe vão os tempos de pobreza que lá atrás no dealbar da democracia dominava aquelas terras. A evidência da melhoria das condições de vida material é óbvia e podemos dizer com grande aproximação que essa melhoria converge com o ciclo da democracia. O papel da autoconstrução e da construção de pequena escala tem permitido mitigar o problema habitacional que é trágico noutras localidades, mas que ali parece relativamente contido.

Já no fim da manhã quando tomava café e provava as delícias doceiras de Vizela, em frente a um grande cartaz do tal Presidente Vítor Hugo, nada meigo para a sua mulher (shame on you), que dominava a praça, interroguei-me se a percentagem da população que tem a perceção das virtudes da democracia para as suas vidas pessoais, por mais trabalhosas que elas sejam, será ou não muito elevada. Arriscaria dizer que o ressentimento ainda anda por aquelas paragens bastante contido.

Depois, graças à por vezes não legível mas expressiva rede de autoestradas do Sócrates, coloquei-me em relativo pouco tempo em Seixas para iniciar o fim de semana de lazer. O homem era diabólico nas suas intenções, mas a verdade é que nos deixou um panorama de rede viária de velocidade rápida, que deve ser hoje olhada como um ponto de partida favorável para combinar com outros fatores de desenvolvimento.

Bom fim de semana a todos.

Nota complementar:

Junto a minha pena ao meu colega de blogue para salientar quão tocante e rigorosa foi a última aula do Professor e Amigo Paulo Pinho, como só Ele sabe fazer. Sempre sem levantar a voz, já que a consistência do seu pensamento disso não necessita, o Paulo ofereceu à Cidade e à sua gente pensante (estavam lá candidatos à Câmara Municipal) uma leitura como ele advertiu contra a corrente do que vai sendo feito. Mas um contra a corrente fundamentado e fruto de muito trabalho dele e da sua equipa no CITTA. Quer estiver de boa-fé e vier por bem para resolver os problemas da Cidade e da sua integração metropolitana tem nesta última um valioso capital de reflexão para operacionalizar com políticas consequentes, que o Paulo aliás identificou de modo pertinente.

 

A ÚLTIMA AULA DE PAULO PINHO


Cada vez acho mais pertinente e útil a iniciativa de uma “Última Aula” no contexto da vida académica. Sobretudo quando ela é tributária de alguém com espessura intelectual, investigação comprovada, capacidade de relacionamento e liderança, sentido de serviço público e investimento cívica, o caso manifesto da sessão de ontem na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto com epicentro em Paulo Pinho (PP). Foi bonita a festa, pá, designadamente porque nela vimos claramente expressado o reconhecimento sincero de equipas e alunos (interpretado por Cecília Silva, atual diretora do CITTA que PP lançou), de colegas e dirigentes (interpretado por Manuel Matos Fernandes, Francisco Taveira Pinto e Rui Calçada), de colaboradores e contratantes (interpretado por Rosário Partidário) e, mais obviamente, de amigos e familiares. A aula propriamente dita foi um momento notável, muito sugestivamente denominado “O Porto é uma lição – reflexões críticas para o Planeamento Urbano e Metropolitano” e magnificamente aberto com um vídeo em que PP nos deu a conhecer o belíssimo resultado fotográfico de uma transgressora volta pela Cidade deserta em tempos pandémicos ao som do piano de António Pinho Vargas. No tocante a conteúdo, PP avisou à partida que quase tudo o que iria ali defender correspondia a um remar contra a maré da acomodação a um certo politicamente correto que tende a imperar, tendo depois explorado aprofundadamente, e com a simplicidade que só é permitida aos sábios, os seus tópicos principais de interesse e investigação (Território, Transportes e Ambiente) com o feliz acrescento de um entretanto superveniente em função da conjuntura que atravessamos (a Habitação) – o power-point com que fez acompanhar a sua apresentação é uma peça brilhante e inovadora, a não perder por parte de quem valoriza o conhecimento destas matérias, se interroga sobre os paradoxos com que crescentemente nos defrontamos ou é um cidadão modestamente atento aos problemas e responsável enquanto orientado para a procura e compreensão de soluções. Finalmente, foi também assinalável aquela referência inicial do PP à presença na sala do professor que mais marcas lhe terá deixado e que mais terá influenciado múltiplas das suas opções ao longo da carreira, Luís Valente de Oliveira. Um final de tarde soberbo que PP quis fechar com chave-de-ouro ao afirmar que, de facto, “o Porto é uma lição” para quem estuda mas que, para quem investiga, “o Porto é uma paixão”...

sexta-feira, 30 de maio de 2025

E AÍ ESTÁ O ALMIRANTE …

 


(A crónica anunciada consumou-se e do mundo dos submarinos e da vacinação COVID emerge um candidato à Presidência da República que mostra bem como vivemos tempos tenebrosos. Quando se perfila a hipótese de Gouveia e Melo poder ganhar inclusivamente à primeira volta está tudo dito e a densidade de Marques Mendes é reduzida para servir de dique a uma candidatura sensaborona, do senso comum, pretensamente apolítica e tocando a música do ceguinho Unir Portugal. À esquerda reina a mais completa desorientação. O PS precisa de ser reconstruído e não é tempo fértil para organizar uma candidatura. Ainda há dias, alguém com pensamento e consistência, Correia de Campos, defendia que não há razões de contexto pertinentes para que o PS se envolva numa candidatura. Até agora, António José Seguro perfilou-se entre o universo socialista, mas o Costismo e outras tendências parecem rejeitar essa hipótese, admitindo-se por isso que estivessem dispostos a suportar o lobbyismo de António Vitorino que, experiente como ninguém, vai aguentando o tabu. Em tempos de sacrifício e reconstrução talvez Carlos César devesse chegar-se à frente para protagonizar uma candidatura mais unitária, mas tudo indica que não esteja para aí virado. Claro que é ainda muito cedo para perceber de que modo a entrada em cena, com outra exposição, do Almirante vai ser gerida pela sua entourage, onde se destaca o sempre inenarrável Isaltino Morais. O relacionamento com o Chega que, tudo o indica, não apresentará candidato, vai ser curioso de ver, pois não acredito que o seu apoio possa ser descartado. Portugal prepara-se para uma esquizofrénica sucessão de Presidentes das selfies e incontinência verbal para uma pose majestática e pronta para o ralhete de quem está convencido que possui poderes reforçados de liderança.)

A pose da apresentação da candidatura do Almirante, até aquele casaco azul-marinho a parecer mais uma farda do que um blazer normal, é um verdadeiro postal da presidência que poderemos ter. O homem imagina-se numa campanha de vacinação permanente e sempre disposto a meter na linha os mais duros e renitentes burocratas. Lá foi dizendo que as democracias estão em perigo e face à tremenda polarização que se adivinha no Parlamento exige a união de todos para melhor enfrentar os desafios. E, para nos habituarmos à deceção permanente, uma categoria relevante para enquadrar a possível intervenção cívica nos tempos mais próximos, as sondagens dizem-nos que os Portugueses estarão dispostos a alinhar com esta postura.

O português político começa a diferenciar-se por apoiar algo e o seu contrário. No seio do PS, o unanimismo em torno de Pedro Nuno Santos parece caminhar para outros unanimismos. Quanto à Presidência, muita gente vibrou com a exposição permanente de Marcelo, mas essa mesma gente parece agora disposta a votar numa cara de pau e que para uma selfie exigirá provavelmente a continência.

Dou comigo a pensar que terei provavelmente de preparar cuidadosamente uma espécie de travessia do deserto, pois tudo indica que os tempos futuros não serão a nível interno estimulantes.

É verdade que a nível externo haverá temas de sobra para neles mergulhar com profundidade, mas a degradação moral do mundo, transformada na mais insensível indiferença, tenderá a reduzir os estímulos a coisa pouca.

Hibernar? Talvez seja uma opção.

 

PRESIDENCIAIS E NÃO SÓ

Sinto que não devo ser conivente com o facto de este espaço prescindir do registo de um momento político português que constitui mais um sinal dos tempos inenarráveis que vivemos, o do dia em que se lançou publicamente na campanha para as Presidenciais o famoso ex-almirante Henrique Gouveia e Melo (HGM) e também o dia em que simultaneamente o PSD cumpriu o seu penoso calendário de apoiar um pequeno mas obstinado candidato àquelas eleições na pessoa de Luís Marques Mendes. Admirar-me-ia que não estivéssemos perante o vencedor e o grande derrotado, respetivamente. Em relação ao segundo só consigo expressar compaixão, após ter assistido do sofá a uma década semanalmente sacrificada num esforço insano para seguir as pisadas do mestre Marcelo e lhe suceder no trono de Belém. Quanto ao primeiro, lá terá de ser, ou seja, podia ser pior na presente conjuntura de aceitação de populismos descontrolados; embora não simpatize particularmente com a ideia de que os meus concidadãos privilegiam a opção pelo autoritarismo e pela ordem que parecem provir de um homem que viram fardado a executar uma missão patriótica e que se lhes afigura suficientemente carrancudo para os ajudar a melhor ultrapassem a atual síndrome tóxica presidencial. O discurso de apresentação foi simplesmente vulgar, cheio de lugares-comuns, de politicamente correto e de “louva eus” oscilando entre o pueril e o descabido, e a pose do protagonista mostrou-se tensa e pouco natural como talvez se possa compreender na circunstância; mas os apoiantes publicamente reconhecíveis que lhe vi na plateia (Isaltino, Ângelo Correia, Carlos Carreiras, Mário Ferreira, etc.) não são de molde a que me reveja confortavelmente nas companhias e pergunto-me, além disso, se HGM irá resistir a chamamentos que lhe retirem a dimensão apartidária, designadamente ao tolerar uma eventual colagem do Chega (que não seria despicienda no plano dos números). Enquanto ficamos à espera das cenas dos próximos capítulos desta novela, com o Partido Socialista a lamber as feridas e quase certamente condenado a mais uma derrota gigantesca por via da insistente e invendável figura de António José Seguro (à qual as intervenções de Álvaro Beleza acrescentam razões de repulsa às do desapego que lhe são próprias), é tempo de aguardarmos pelas evoluções de outras novelas igualmente em curso, das revelações da equipa ministerial de Montenegro (ficarão as ministras inconcebíveis, leia-se da Administração Interna, da Cultura e da Saúde por ordem decrescente de vergonha alheia?) ao Governo Sombra de Ventura (vaticino-lhe um inconseguimento ruidoso), da revisão constitucional liderada pelo oportunista Rocha aos sinuosos caminhos que Carneiro enfrenta, da solidão de Mariana Mortágua à magnífica previsibilidade do PCP. O povo e as elites, esses estão noutras, aquele profundamente desalentado e desligado e estas numa senda de acumulação que já se vai tornando em patologia comandada por uma ganância incongruente à luz de quaisquer mínimos olímpicos.

(Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt)

quinta-feira, 29 de maio de 2025

AO ENCONTRO DO CENTRALISMO ATRAVÉS DA DESPESA PÚBLICA

 

Fui ontem surpreendido no “Público” com uma espécie de pré-apresentação de um oportuno relatório intitulado “Descentralização, Desconcentração e Regionalização”, coordenado por Pedro Adão e Silva e Isabel Flores (IPPS, ISCTE). Vou, obviamente, lê-lo com o maior interesse, quer pela relevância do tema quer pela credibilidade dos autores. Mas, e dito isto, devo confessar o meu parti pris em relação aos resultados mais mediaticamente badalados do referido relatório – tenho mesmo dúvidas fortes quanto ao facto de 71% ou 75% (dependendo da questão) dos portugueses parecerem considerar que a regionalização deve voltar a ser objeto de um referendo, mas nada a opor do meu pobre lado que já tinha dado o assunto por descontado em definitivo após as tomadas de decisão e as indefinições dos sucessivos poderes políticos que tão lamentavelmente nos estiveram a entreter (para não dizer enganar) durante décadas. Veremos, então, o que apurarei mais em concreto porque até poderá ter sido uma realidade que os inquiridos, confrontados com os inúmeros traços de desesperança que marcam a situação económico-social nacional, tenham respondido na base de um racional em que quiseram fazer prevalecer um “já agora” associado a qualquer eventual solução diferenciada que lhes seja sugerida.


 

Como que em singela homenagem ao estudo em questão, decido-me agora a postar alguns dados empíricos elucidativos do anacrónico posicionamento português na matéria, claramente dominado pelo peso do centralismo que tantos têm invocado em vão durante décadas a fio. O primeiro gráfico abaixo põe em evidência a evolução da despesa pública portuguesa (em percentagem do PIB) ao longo dos últimos trinta anos, deixando nítida, entre outros aspetos sobre que não me debruçarei, a irrelevância comparada da despesa autárquica (i.e., de proximidade) face à da governação central.

 

O gráfico seguinte, complementado pelos valores constantes do quadro que se lhe segue, prossegue na mesma linha de análise, procurando introduzir uma lógica comparada à escala europeia que revela quanto a dinâmica da despesa local é diminuta no nosso país (a qual apenas ultrapassa a de economias sem dimensão, como o Luxemburgo, Chipre e Malta, e três outras com as suas especificidades, como a Hungria, a Grécia e a Irlanda), a par de um ranking mediano em sede de despesa pública do Estado Central.

 

Por fim, o último gráfico pretende adicionar à análise um elemento frequentemente desvalorizado pelas vulgatas liberais que nos invadem: o de que tende a existir uma relação positiva entre o nível de desenvolvimento alcançado e o peso da despesa pública que necessariamente o tem de suportar (uma situação que surge como óbvia nos casos sueco, austríaco, belga, alemão, finlandês e francês).

 

Deixo para novas “núpcias” o aprofundamento de alguns destes pontos e, sobretudo, o que decorrerá da apreciação que se me afigure proporcionada e justa do relatório cuja divulgação originou estas linhas.


(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)

(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)


(Elaboração própria a partir de https://ec.europa.eu/eurostat)