sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

DA PAUSA EM GAZA

(Ricardo Martínez, http://www.elmundo.es)

 

Há indicios de que seja assinado em breve um acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Tarde demais, como é bem evidente nas imagens que diariamente nos chegam de uma faixa de Gaza completamente destruída e desumanamente tratada por Netanyahu e seus aliados de um governo de unidade nacional que junta tudo quanto há de ilimitado extremismo sionista. Paradoxalmente, ou talvez nem tanto, o acordo ocorre quase em cima da tomada de posse de Donald Trump, assim fazendo com que grande parte do mundo lhe atribua um papel determinante na paz temporária a alcançar – este era, aliás, o grande objetivo do egocêntrico líder americano e terá sido um elemento central das suas conversas e negociações com o primeiro-ministro israelita, tanto mais que os termos do dito acordo subsistem substantivamente quase inalterados desde o Verão passado (com mais várias dezenas de milhar de pessoas desnecessariamente mortas desde então). Importa, por isso, insistir num ponto – o de que foram intoleráveis as atrocidades e os crimes cometidos por Israel, fazendo com que a perceção positiva de estarmos perante o único país democrático da Região seja arrasada pela realidade imperdoavelmente negativa dos seus atos transgressores da lei internacional, de nada servindo nesta conformidade os argumentos tornados alegadamente compensatórios de uma legítima defesa perante o terrorismo do Hamas –, e sublinhar um outro – o de um “seu a seu dono” associado ao papel discreto mas eficiente e certeiro de Anthony Blinken à frente da diplomacia americana, justificando uma menção justíssima aos incansáveis esforços que empreendeu em nome da paz e da concórdia no mundo e que o consagraram como o melhor secretário de Estado de que os EUA dispuseram em muitos anos. O resto? Ou muito me engano ou rapidamente voltaremos a ter mais do mesmo...

(Andrés Rábago García, “El Roto”, http://elpais.com)

(Riki Blanco, https://elpais.com)

(João Fazenda, https://www.newyorker.com)

DAVID LYNCH 1946-2025

 


(Um a um, uma a uma, o(a)s Grandes vão caindo e, com esse desaparecimento, vão também caindo os referenciais de uma geração na arte, na política, na cultura em geral, adensando a indeterminação e incerteza que nos espera numa vida que se vai prolongando com a bondade dos deuses. Olhando para trás, é impossível ficar indiferente e não recordar o que a obra de Lynch me despertou seja no cinema seja na televisão, aliás num registo em que a partir de um certo momento foi para mim cada vez mais difícil separar o Lynch do cinema do Lynch da televisão. Com aquela maneira peculiar de filmar universos oníricos, alguns dos quais provavelmente encontraríamos na auto-análise dos nossos próprios sonhos, Lynch marcou uma nova era na cultura urbana e na visão das sociedades contemporâneas, desconcertante até ao fim e atraiçoado pelo enfisema pulmonar que precipitou a sua morte. Não tenho saber nem talento para uma crónica a fazer de conta que sou crítico de cinema, por isso a crónica é simplesmente impressiva, afetiva, na medida do estímulo à criatividade e à imaginação dos sonhos que algumas obras de Lynch me foram despertando).


O meu contacto com a obra de Lynch não corresponde à cronologia da mesma. Tudo começou para mim com Blue Velvet (1986), quem não se recorda daquela música estranha e envolvente que Isabella Rossellini cantava num cabaret ocultando toda a trama de sadismo e violência a que fora submetida. Tenho a impressão que Lynch nunca mais se libertou da influência que este filme exerceu no desenvolvimento da sua própria. Só depois deste contacto com o Veludo Azul é que tomei contacto com Eraserhead (1977), The Elephant Man (1980) e Dune (1984), embora esse contacto não tenha alterado o essencial – Blue Velvet foi para mim o começo.
The Lost Highway (1997) e Mulholand Drive (2001) vieram depois com o papel essencial de equivalerem para mim ao ponto máximo do imaginário surrealista que Lynch trouxe ao cinema. Entretanto, pelo meio, numa viragem desconcertante de estilo (1999), The Straight Story é talvez o filme que mais me desconcertou, sobretudo pelo contraponto em relação ao imaginário surrealista e que, recordo-me, me comoveu imenso, quando vivemos aquela história espantosa do velho que utilizando um trator concretizou uma longuíssima viagem para visitar o irmão pela última vez. Por isso, escolhi o cartaz do filme para a imagem que abre a crónica de hoje.
E, como não podia deixar de ser, fica-me para sempre na memória, a paixão com que ficava preso ao ecrã da televisão para seguir Twin Peaks (1990-91) e Twin Peaks – o Regresso (2017), este último bem menos impactante, por razões óbvias, face ao fascínio inicial que o mistério de Laura Palmer trouxe ao nosso universo televisivo. Acho que a televisão, nem agora com a possibilidade que a Netflix, a MAX, a Amazon Video e a Apple TV nos oferecem, penso que nunca mais nos proporcionou ambientes tão oníricos e fascinantes como aqueles que aquela série nos oferecia sempre que, avidamente, visualizava mais um episódio.
Estou seguro que o fascínio do universo onírico e surreal que Lynch trabalhou melhor do que ninguém permanecerá além da sua morte.
Aliás, só uma personalidade que dominava como Lynch esse universo do surreal seria capaz de assinar uma história tão linear e comovente como é The Straight Story.


 

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

JORGE NUNO, UM REI DESNUDADO!

(a partir de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt

Incontornável que este espaço conceda hoje o seu destaque à divulgação, ontem ocorrida, dos resultados da auditoria forense à atividade da FCP-SAD nas últimas dez épocas desportivas, contratada pela atual administração à Deloitte. Não desperdiçarei o tempo dos nossos leitores com referências exaustivas às conclusões (59 milhões de gastos injustificados é a síntese das sínteses) e respetivos detalhes, o que consta de uma imensidão de notícias e comentários publicados na comunicação social deste dia (e próximos, seguramente), apenas aqui quero deixar dois sublinhados que se me afiguram obrigatórios na circunstância: primeiro, o de que fica ali comprovada, pelo menos, a má gestão (além dos aproveitamentos e compadrios associados) das administrações chefiadas por Jorge Nuno Pinto da Costa, assim restituindo todo o sentido à posição de tantos e tantos portistas que lamentaram amargamente que o ex-presidente não tivesse deixado funções em tempo adequado e, depois, tivesse protagonizado (com o apoio de alguns acólitos cada vez mais visivelmente pouco recomendáveis) uma candidatura aberrante, mentirosa e insultuosa para com o adversário, terminada numa derrota quase humilhante; segundo, o de que a transparência evidenciada por André Villas-Boas merece ser fortemente aplaudida e considerada um exemplo a registar pelos meios futebolísticos nacionais, independentemente do que os resultados da equipa principal forem proporcionando de mais ou menos bom: o tempo é de regeneração do clube e dela provirão – mais cedo do que tarde, espera-se! – as conquistas que todos desejamos. 

quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

O “TAL & QUAL” DOS NOSSOS DIAS

O jornal “Tal & Qual” foi fundado em 1980 por Joaquim Letria, um profissional sério e que à época era detentor de significativa notoriedade e prestígio (com passagens relevantes pela informação da RTP e em vários projetos editoriais, além de um ator com fortes ligações ao “eanismo”). Durou até 2007, vivendo ciclos de vendas mais ou menos sustentados e sempre orientado por um certo pendor sensacionalista, embora relativamente compensado pelo bom naipe de colaboradores de que dispunha e significativamente controlado em relação a excessos fáceis (o que nem sempre aconteceu de facto – lembrem-se, entre muitas outras, as incursões pela vida privada de Francisco Sá Carneiro e Snu Abecassis ou pelas férias do Presidente Mário Soares).

 

Como o leitor destas linhas decerto já se terá apercebido, há novamente um “Tal & Qual” nas bancas, à Quarta-Feira, hoje detido por um grupo de empresários nortenhos e editorialmente gerido com escasso critério de rigor e uma orientação de prioridade ao escândalo avulso e raramente dotado de conteúdo – daqui previno os mais desatentos de que pouco ou nada nesta reincarnação do jornal tem a ver com a sua anterior vida, como bem o comprovam as capas de sentido mentiroso, ofensivo, provocatório ou vingativo que parecem ser o seu principal ativo comercial e de afirmação pública e de que acima reproduzo apenas algumas óbvias ilustrações disso mesmo. Um exemplo de populismo que vai rendendo (que não vendendo!) em tempos de completa ausência de escrúpulos e de gritante incapacidade regulatória. 

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

UMA NOVA REVISTA NO MEU RADAR

 


(Estou por estes dias numa azáfama intensa de entrega de dois relatórios de avaliação em simultâneo, relatórios intermédios e não finais é certo, mas suficientemente densos e trabalhosos para consumir praticamente todo o meu tempo disponível e, além disso, ocupar-me a mente no que aos desafios deste blogue diz respeito. A Tabacaria Gomes em Caminha, onde compro jornais e revistas quando os momentos de lazer o permitem, é uma eterna surpresa em matéria de distribuição de revistas cosmopolitas. Há sempre uma novidade à nossa espera, como se aquela loja teimasse em manter as ligações daquela vila comercialmente em declínio, isso parece cada vez mais evidente, com o mundo mais urbano e com o universo das ideias. Foi assim este último fim de semana que surgiu no meu radar uma nova revista, a New Eastern Review, editada na cidade polaca de Wroclaw, uma revista bimensal com uma tiragem de 3.500 exemplares. Com o curto tempo disponível, que irá manter-se durante a presente semana, a revista despertou-me algumas considerações sobre a perda de conhecimento sobre a realidade política e social a leste da Europa e isso parece-me preocupante, já que tendemos a ignorar que a Europa não é apenas a Europa do Sul ou do Norte e que na Europa do Centro e do Leste acontecem coisas importantes, também elas relevantes para o futuro desta União cada vez mais interrogada.)

O início da leitura da revista fez-me relembrar que nos primeiros tempos do período democrático em Portugal nos interessava a experiência política polaca dos tempos do Solidariedade e do grupo de intelectuais que girava em torno do sindicato, com relevo para o intelectual Adam Michnik, hoje ainda editor, creio, de um jornal polaco que mantém o seu espírito crítico, a Gazeta Wyborcza. A experiência de resistência política sob o domínio soviético era um caso de estudo sobre o que significa intervir politicamente em condições muito adversas. Em grande medida, o conceito de “margens de transformação possível” tinha naquelas condições e sob a inspiração daquele grupo de intelectuais e, obviamente, também do Solidariedade de Walesa um contexto que era um efetivo teste a essas ideias de intervenção em contextos adversos.

Hoje, num contexto bastante diferente, o nosso conhecimento do que vai acontecendo por aquelas paragens é cada vez mais fragmentado e acessível apenas através da leitura de revistas como a New Eastern Europe.

Por isso posso dizer que ganhei o fim de semana. O cosmopolitismo da Gomes manifestou-se de novo. Conheci uma nova revista. Reconstituí condições de acesso a informação sobre a Europa de Leste política e social. E ganhei um tema para o blogue, o que nestas condições de azáfama de trabalho não é coisa pouca. Simbolicamente o tema da edição que comprei, a de novembro-dezembro de 2024 chama-se Idade da Incerteza. A propósito.

 

ALMIRANTE E RUTTE, A MESMA LUTA!

O Almirante na reserva foi de férias, o que sublinhou como “umas merecidas férias”, mas deixou no espaço público um mote que me parece ir ser prevalecente em matéria de opções futuras, quer nacionais quer europeias. Sublinho um quarteto de ideias-força provenientes da sua intervenção de despedida: (i) a defesa de que a Europa deve reforçar a sua ligação à NATO – “a autonomia estratégica da Europa, per si, é muito difícil num mundo que se está a tornar bipolar”, em que a instabilidade internacional é muito forte e em que se movimenta agressivamente um parceiro como a Rússia(que “dentro da Europa tenta mudar regimes democráticos e convertê-los em proto democráticos”); (ii) a defesa adicional de que “não é só a segurança que está em causa, é a própria construção europeia e a nossa prosperidade, equidade e liberdade” e de que a solução para a Europa também passa por “uma reindustrialização inteligente”, com a aposta na Defesa a poder ser determinante para “resolver o problema”; (iii) em termos nacionais, o necessário reconhecimento de que não nos podemos alhear de um problema que nos pode afetar e de que tal implica escolhas e, nesse enquadramento, de que forçosamente “haverá alguma afetação nas despesas sociais”; (iv) e o aviso final, sob forma interrogativa, “o que interessa ter despesas sociais se não tivermos país ou se tivermos que obedecer a uma autoridade exterior, ainda por cima ditatorial?”

 

Poucos dias depois, o secretário-geral da NATO, o holandês Mark Rutte, veio insistir nas posições que vem sustentando desde que assumiu o cargo, agora sob uma formulação nua e crua, quase brutal: ou os aliados da NATO gastam mais na Defesa ou começam a aprender a falar russo, disse. É claro que Rutte não tem grande moral política para afirmar coisas com este caráter impositivo e extremado, ele que foi um primeiro-ministro visivelmente “pouco europeu” enquanto exerceu a sua função em Haia; mas não o é menos que a sua observação comporta notoriamente uma chamada de atenção que acaba por ser essencialmente definidora da atual fase de impasse, incapacidade decisional e declínio por que passa a vida europeia. Lamentavelmente, nada do que se vai sabendo – vendo, ouvindo e lendo – indica que alguém esteja ou possa vir a estar cabalmente ao leme de uma Europa que persiste oscilante entre o amedrontado e o acobardado, por um lado, e a aparente comodidade de um business as usual por demais evidenciador de completa impotência e míngua de visão para abanar a inércia reinante, por outro. Com tudo o que de péssimo apontam as previsões internacionais para 2025, já para não referir os aspetos agravantes que provirão do que sempre advém de inesperado, o mais certo é que a continuidade daquela imobilista ordem europeia facilmente possa traduzir-se em desordem da grossa nessa nossa vizinhança e, obviamente portanto, estender-se inexoravelmente para dentro das nossas vulneráveis portas (onde as maravilhosas cosméticas das cativações, dos excedentes e da baixa do endividamento não lograrão resistir ao regresso à tona das desgraças estruturais em que continuamos mergulhados, quiçá desta vez explicitamente descritas através de um dilema tendencialmente irresolúvel entre despesas sociais requeridas e despesas militares obrigatórias) – e não haverá, então, Almirante que nos valha...

(Nicolas Vadot, http://www.levif.be)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

DE PAPEL E SEM ESTOFO...

 
(a partir de Henrique Monteiro, http://henricartoon.blogs.sapo.pt) 

Foi mau de mais o que ocorreu ontem com o meu FC Porto na Choupana, contra o Nacional da Madeira. Porque não se tratou apenas de um jogo mal conseguido, de uma arbitragem infeliz ou incompetente (embora Tiago Martins tenha demonstrado parcialidade, desde logo na atribuição dos tempos e em critérios disciplinares), de um ou vários erros individuais penalizadores (apesar da indesculpável fífia de Nehuén Pérez no primeiro golo) ou de opções ou substituições falhadas pela banda do treinador. Aquilo de que se tratou foi simplesmente da prestação mais desastrada de que me recordo em muitos anos, acrescida de um desnorte coletivo de bradar aos céus e de uma ausência de qualquer voz audível de comando no banco onde supostamente se senta quem corrige e quem dirige.

 

Impõe-se que, com urgência e no cumprimento de um respeito mínimo pelos associados com que tanto se enche a boca, alguém venha explicar o que se passa naquele balneário, quem faz nele o quê (e quem não faz) e porque se insiste na alimentação de esperanças de títulos em face da visível falta de brio portista (e de alguma classe e liderança, já agora...) que está a ser desesperantemente evidenciada nos sucessivos momentos decisivos. A chegada de André Villas-Boas foi essencial para a preservação da continuidade do clube, a sua gestão vai dando sinais encorajantes de inversão do rumo declinante e arruinante que se vinha manifestando no passado recente, as suas opções futebolísticas pareceram acertadas em função das circunstâncias altamente constrangedoras que se lhe apresentavam, mas o que está agora em causa é a sua capacidade de reação à adversidade desportiva, não especialmente quando a bola não entra e, isso sim, perante matérias que exigem experiência, inteligência emocional e capacidade de ouvir mais do que um grande conhecimento tático e de explanação do jogo.