(Há longo tempo que tinha umas desculpas adiadas. Lá bem atrás, quando a guerra do Golfo estava ao rubro e tinha uma presença marcada na Conferência Anual da Regional Science Association, acagacei-me e a viagem a Istambul ficou marcada para uma outra altura, que chegou agora com um short break de cinco dias, pouca coisa descontando as viagens. Mas Istambul é daquelas cidades que se não visitarmos pelo menos uma vez, algo fica por preencher nas nossas vidas de compreensão do mundo. Chegando a um aeroporto que cheira a novo, de grande dimensão, não me lembro de ter andado tanto num aeroporto para uma simples chegada. Na viagem para o hotel no velho Istambul não demora muito tempo a sentir-se a força fervilhante de uma cidade de 15 milhões de habitantes e, dizem-me, seis milhões de automóveis e muitas motas. Dir-me-ão os mais céticos, um inferno, mas se isto é o Inferno, terei de rever as minhas categorias apocalípticas. Nestes últimos tempos, sempre que viajamos para uma cidade de maior dimensão, ocorre-me ficar perante o dilema dos mais envelhecidos – resistir à viagem organizada ou optar por alguma aventura de opções próprias. Um bom indicador que temos da perceção do nosso envelhecimento é concluir que no fim de contas optamos sempre pela viagem organizada. Assim é e assim foi desta vez..)
Com o primeiro dia dedicado a calcorrear as joias da coroa da Cidade, Hagia Sofia (interessante como me recordei do excelente programa de Miguel Portas sobre a relação entre culturas e religiões), Mesquita Azul, a Grande Cisterna e o Grande Palácio do Sultão Topkapi e algumas olhadelas sobre o ambiente deslumbrante do Bósforo e da comunicação entre a Ásia e a Europa, ou seja, ainda sem as sensações do Grande Bazar e da ponte Galata, fervilhante é a palavra dominante nas minhas impressões.
Mesmo sem muito provavelmente não poder conhecer um bairro que seja da parte asiática de Istambul, chega-me para já o ambiente da histórica Istambul europeia, particularmente dos bairros que acolhem as já referidas joias da coroa da Cidade, para intuir a excecionalidade desta Cidade, presidida, não o esqueçamos, por um homem sobre o qual Erdogan gostaria de ter uma influência política mais decisiva, mas que não tem, olhando para as últimas eleições locais. Mesmo se descontarmos a diversidade que vem associada à forte atração turística que Istambul representa, a Cidade é uma cidade diversa, além de colocar questões cruciais do ponto de vista do investimento público na sua gestão quotidiana, com relevo particular para o transporte público.
Mas uns dos mistérios que continuam a intrigar-me em cidades com uma base cultural e social como a de Istambul é a sobrevivência do seu comércio mais menos tradicional, hoje largamente focado no mercado turístico. A oferta é tão variada e a magnitude é tal que me interrogo muitas vezes o que vende afinal aquela gente. Hoje, tendo iniciado bem cedo as atividades organizadas, reparei que praticamente todas as casas comerciais adjacentes ao hotel tinham grossas encomendas à porta dos estabelecimentos, provavelmente deixadas durante a noite para tirar partido das menores limitações de acesso ao centro histórico, Uma cultura de confiança domina todo o negócio. Quando os estabelecimentos abrem, a primeira tarefa consiste em desfazer as encomendas e refazer os stocks. Mas será que vendem cobrindo custos?
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