quarta-feira, 8 de maio de 2024

BOAS PARTILHAS EM NOVOS REGRESSOS À FEP

Duas passagens quase seguidas pela velha FEP, matando saudades das centenas de aulas ministradas, anos a fio, naquelas salas e auditórios. A primeira sob o impulso do amigo Álvaro Aguiar (Professor Associado e ex-aluno), subordinada ao tema “Territorial Cohesion in Portugal in the European Context” e partilhada com o colega aqui do lado, António Figueiredo, que já abordou o assunto em post anterior. A segunda sob o impulso da Aurora Teixeira (Professora Catedrática e ex-aluna) e do Luís Carvalho (igualmente docente na FEP) e partilhada ainda com o José Carlos Caldeira (INESC), a Natalia Doré (uma cidadã brasileira doutorada na FEP) e a Eliane Araujo (Universidade Estadual de Maringá, via Zoom), a qual permitiu um interessante início de debate em torno de uma excelente obra (capa acima) recém-publicada no Brasil.
 
Na parte que me tocou, dividi a minha apresentação em três partes. A primeira focada nas quatro questões que especialmente valorizei no livro, a saber: (i) a relevância dada à relação entre industrialização e desenvolvimento, seja no tocante à centralidade das estruturas produtivas (que vem de Kuznets), a ligações a autores históricos (como os da velha “Teoria da Dependência” da escola estruturalista da CEPAL e sua ideia de heterogeneidade estrutural ou as remissões para Raul Prebisch, Arthur Lewis, Aníbal Pinto, Celso Furtado e Conceição Tavares), a ligações a propostas mais recentes de abordagem (do engine of growth de John Cornwall à new trade theory de Helpman e Krugman e aos trabalhos assentes na complexidade económica comandados por Hausmann e Hidalgo no contexto do Growth Lab da Universidade de Harvard) e, muito em particular, à aplicação à realidade brasileira da hipótese de um manufacturing-led growth e correspondente verificação empírica das duas leis de Kaldor nesse quadro; (ii) a saliência do papel dos Sistemas Nacionais de Inovação para o catching-up e a mudança estrutural (“a estrutura dos Sistemas de Inovação e a infraestrutura de Ciência e Tecnologia são alicerces para o desenvolvimento da inovação e da capacitação tecnológica”; (iii) a consideração de dimensões como as das perspetivas regionais, das políticas públicas e do financiamento público (mostrando, designadamente, como a desindustrialização atingiu prematuramente o núcleo dinâmico da manufatura brasileira e teve especial força nas “indústrias de estágio avançado” ou referenciando os factos estilizados do BNDES); (iv) múltiplas outras incursões determinantes, como as da análise multidimensional ou as da economia verde e circular, apenas para ilustrar.
 
Uma segunda componente incidiu sobre questões que valorizei mas senti carecerem de aprofundamentos ou esclarecimentos adicionais: entre aspetos de periodização (da separação entre a “década perdida” e o “neoliberalismo” à excessiva extensão e sem gradações da fase de substituição de importações e suas implicações desenvolvimentistas, por exemplo), alguma incipiência no tratamento da inserção fragmentada do país nas cadeias globais de valor (incluindo uma possível distinção entre a denunciada hiperglobalização e caminhos de aproveitamento sob novos contornos das dinâmicas globalizantes) e a não estabilização de determinados elementos concetuais curiosos e potencialmente promissores (desindustrialização clássica, desindustrialização prematura, industrialização incompleta e mudança estrutural reversa, por um lado, ou macroeconomia da desindustrialização ou macroeconomia da estagnação, por outro).
 
Por fim, uma terceira ordem de questões respeitando a ausências ou fragilidades pontuais, onde me ative largamente a aspetos propositivos, entendendo-os como muito positivos no tocante ao peso atribuível ao regresso da política industrial estratégica ou da reindustrialização (“neoindustrialização” na palavra de Lula) mas insuficientes quanto às respetivas articulações com o fenómeno inflacionário e as políticas macroeconómicas (orçamental, monetária, fiscal, cambial), mais diabolizadas do que devidamente incorporadas, às incidências do quadro geopolítico (IDE, relações com a China, “doença holandesa”, protecionismo, etc.) e à importância de a sintonizar com as necessidades de superação do subdesenvolvimento. Interroguei-me assim sobre o verdadeiro significado do neodesenvolvimentismo em que se filiam os autores do livro (embora o não tenham abordado, lamentavelmente, numa introdução mais trabalhada e estruturante, até para confrontar o prefácio crítico de Bresser Pereira), referenciando aqui recuperações possíveis da Teoria da Dependência e dos modelos de crescimento endógeno (Romer e Lucas), uma deteção mais consequente dos impactos da condicionante externa ou uma outra insistência no construtivismo institucional forçosamente associado aos esforços de ultrapassagem da armadilha do rendimento médio por via de uma aposta preponderante na inovação.

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