(Estamos habituados a considerar que o declínio demográfico é essencialmente um problema europeu, primeiro com incidência a leste, mas rapidamente transformado num inverno generalizado a todo o território europeu. Nesta medida, se aderíssemos a uma vulgata interpretativa de equilíbrios naturais, o forte surto migratório que tanta divisão interna tem suscitado entre os 27 da União até teria justificação e permitiria à Europa recompor os seus saldos de crescimento natural, já que os migrantes que chegam têm regra geral comportamentos de fertilidade ainda elevados. Mas nesta Europa de perceções, é estranho como os Europeus se deixam arrebatar por ameaças vãs e inventadas em torno da imigração e demoram um tempo perigosamente longo a internalizar as consequências do seu inverno demográfico. Mas, um destes dias, no quadro das minhas leituras diárias para rejuvenescimento temático deste blogue, fui alertado para a extensão da ideia de declínio demográfico a países coração do crescimento económico asiático, mais propriamente a Ásia Oriental. Confirmo por esta via a ideia que já tinha de que as transições demográficas estão a transformar-se em fenómenos com elevada rapidez de manifestação, podendo alterar o mundo como estamos habituados a vê-lo e certamente a produzir efeitos nos equilíbrios económicos mundiais. Por mais que reconheçamos que os fenómenos demográficos foram demasiado cedo desvalorizados na família dos fatores de desenvolvimento, a realidade está a impor uma revisão dessas precipitadas certezas e nada melhor do que o contexto asiático para o demonstrar.)
O artigo de Nicholas Eberstadt para a Foreign Affairs não inventa um inverno demográfico asiático, antes se limita a analisar as projeções demográficas das Nações Unidas (Divisão da População do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais) para o período entre 2020 e 2050. E os números são de facto bastante impressivos. As quedas previstas de população para os gigantes do crescimento económico são as seguintes: China (8%), Japão (18%), Coreia do Sul (12%) e Taiwan (8%). Estas diminuições contrastam obviamente com o aumento previsto de 12% para a população dos EUA.
A análise do comportamento das taxas de fertilidade total (número médio de filhos por mulher em idade de procriação) no período anterior a 2020 mostrava que o fenómeno do declínio demográfico iria forçosamente acontecer, com relevo para o caso do Japão em que já nos anos 70 a taxa de fertilidade estava já abaixo do nível em regra considerado para a reprodução natural da população, ou seja 2,1 de taxa de fertilidade total. O mesmo se verificou nos restantes países da Ásia Oriental, com a decisão política da China de limitar o número de filhos por casal a revelar-se um fator de significativo agravamento do que estava já em formação.
Como a teoria das transições demográficas nos ensina, o período que demora a descida da taxa de fertilidade em repercutir-se em declínio demográfico varia sobretudo consoante a massa de casais jovens existente em dado momento. Mesmo com taxa de fertilidade em queda significativa, a população pode continuar a crescer se muitas mulheres estiverem em situação de procriação.
Não partilho, entretanto, a opinião do articulista da Foreign Affairs quando ele refere o constrangimento de crescimento que a Ásia oriental irá enfrentar, sobretudo quando comparado com o “verão” demográfico em que a sociedade americana irá, entretanto, viver até 2050. A população é seguramente um fator de crescimento ou de constrangimento ao crescimento (em modo de declínio demográfico), mas não o podemos absolutizar. O aumento explosivo de 80% da população da Ásia oriental entre 1950 e 1980 tendeu a potenciar o seu crescimento nesse período, sobretudo as suas componentes de crescimento extensivo. Nessa medida, o declínio demográfico a observar-se agora até 2050 vai seguramente tender a reforçar as dimensões de crescimento intensivo e baseada no conhecimento em que as sociedades da Ásia oriental estão já mergulhadas. Por isso, não é líquido que o declínio demográfico agora observado vá imediatamente repercutir-se em constrangimentos de crescimento económico. Poderão mesmo observar-se efeitos contrários em termos de qualificação do crescimento económico. Mas uma situação de declínio demográfico tenderá obviamente a constranger o próprio esforço de I&D desses países, já que menos investigadores poderão ser alocados às atividades de I&D (por isso alguns modelos associam a taxa de I&D à taxa de crescimento da população, ou como eu referia nas minhas aulas 1% de engenheiros a trabalhar em I&D na China têm mais peso do que 1% de engenheiros em Portugal).
Por isso, adoto uma posição mais cautelosa quanto ao futuro do crescimento na Ásia oriental. Vai ser necessário tempo para compreender como economias já em fase avançada de crescimento intensivo vão adaptar-se ao constrangimento demográfico. Um inverno demográfico asiático é coisa para o qual não estaríamos preparados como observadores exteriores. Imagino que estes países de governação regra geral avisada estarão já em cima do problema, designadamente não apenas do ponto de vista da adaptação do crescimento intensivo, mas também do que significará para aquela massa demográfica o fenómeno do envelhecimento e dos cabelos grisalhos.
Sem comentários:
Enviar um comentário