quarta-feira, 8 de maio de 2024

HABITAÇÃO: UMA QUESTÃO EUROPEIA?

 

(Proprietários de habitação já paga em situação de risco de pobreza na União Europeia)

(Se tomarmos por referencial de comparação a situação da habitação em Portugal, não é difícil compreender a relevância do tema para as condições de vida e de bem-estar material da população. Porém, a principal novidade sobre o tema é a progressiva evidência de que, embora a política de habitação não seja competência da União Europeia, mas antes dos Estados-membros, existe cada vez mais a perceção de que a habitação é um problema Europeu, flagelando as condições de vida dos cidadãos europeus pese embora as especificidades nacionais e colocando em risco as sociedades democráticas pelo descontentamento que suscita. É verdade que por via do PRR e dos seus equivalentes nos restantes países, o financiamento comunitário está já a apoiar a 100% políticas de investimento em habitação, como é o caso em Portugal do programa municipal 1º Direito, gerido pelo IHRU em conjunção com os municípios que submeteram a aprovação as suas Estratégias Locais de Habitação. Mas não deixa de ser curioso que um tema que não constitui competência comunitária tem evoluído para a progressiva perceção de que estamos perante uma questão transversal a todos os países da União. Existem razões para explicar esta transformação do problema e é a essas razões que o post de hoje será dedicado.)

Começo pela constatação óbvia, mas paradoxalmente muitas vezes negligenciada, de que o problema da habitação representa uma dura evidência da falência do mercado em resolvê-lo. Considerando a necessidade de que a procura de habitação tem de ser solvente, ou seja de que a compra de habitação própria ou o arrendamento têm de ser compatíveis em termos de preços por metro quadrado e de rendas com os rendimentos dos indivíduos e das famílias, a conclusão é que a oferta privada de habitação está longe, muito longe mesmo, de resolver as necessidades da procura solvente. Se isto não é uma falência do mercado privado, indiquem-me por favor de que se trata.

Um relatório recente do Eurofund afirmava que quase metade (46%) das pessoas que arrendavam uma habitação referia que poderiam ter de abandonar a sua habitação nos próximos três meses por não conseguir pagar as rendas envolvidas. Se às questões do preço ou arrendamento adicionarmos a questão da qualidade da habitação, sobretudo em termos de conforto térmico ou de condições energéticas, o problema avoluma-se e compreende-se melhor a emergência de um verdadeiro problema à escala europeia.

A gravidade do problema é também melhor entendida se fizermos entrar na análise o modo como o risco de pobreza afeta os próprios proprietários de habitação própria já sem empréstimo. O gráfico que abre este post é bastante esclarecedor: em Portugal, por exemplo, 18% dos proprietários de habitação própria já paga encontrava-se em situação de risco de pobreza, mostrando como as condições sociais gerais afetam indiretamente os que aparentemente tinham o problema da habitação resolvido.

Em estudo que data já de 2018, por isso com valores que hoje serão bastante mais elevados, a estimativa de investimento em falta atingia então 57 mil milhões de euros, valor que dá bem conta do gap de investimento e da falência de mercado.

Não admira por isso que as tomadas de posição a nível europeu tenham vindo a suceder-se como que inscrevendo a problemática da habitação na agenda política europeia do futuro próximo. Destacaria nessa perspetiva a declaração de Liège, envolvendo os ministros responsáveis pela área da habitação, realizada no âmbito da presidência belga, designada de “Para uma habitação acessível, decente e sustentável para todos”, que é realizada com três números chave à cabeça: (i) aumento médio de 19% nas rendas; (ii) 900.000 pessoas sem habitação; (iii) 10% dos europeus enfrenta custos excessivos de habitação.

Estas declarações valem o que valem, mas por vezes são marcos essenciais para que uma dada agenda possa fazer o seu caminho no processo por vezes tortuoso em que a administração comunitária é fértil. Mas não é apenas da parte política que deve emergir o impulso necessário para que o problema da habitação se transforme em preocupação europeia. Instituições da sociedade civil devem chegar-se ao processo. Gerald Koessl recorda no SocialEurope o manifesto da Housing Europe (the European Federation of Public, Cooperative and Social Housing) que vem acrescentar à consciência pública do problema uma nova dimensão.

Na expectativa do que serão as medidas que o governo de Montenegro acrescentará ao pacote do Governo de António Costa, será importante avaliar em que medida o governo atual está ou não sintonizado com esta perceção europeia do problema. E já agora como ele lidará com a evidência de que estamos perante uma enorme falência do mercado.

 

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