(Encerrando o ciclo de eleições regionais nas Comunidades Autónomas históricas, primeiro com as eleições na Galiza em que o PP manteve a sua maioria absoluta e depois com as eleições bascas em que PNV e BILDU disputaram taco a taco a vitória, é agora altura da Catalunha ir a votos. Obviamente que ninguém ignora que a presença nos boletins de votos de duas forças políticas independentistas, Junts per Catalunya de Puigdemont e Esquerra Republicana de Pepe Aragonés que dirige presentemente a Generalitat faz destas eleições algo de mais relevante para o enquadramento político espanhol. Sempre distingui entre a identidade cultural do catalanismo e a força temerária do independentismo catalão e tenho de reconhecer que entre as forças independentistas o Junts de Puigdemont não me inspira qualquer confiança, antes pelo contrário sugere-me uma total desconfiança. Os arremedos supremacistas do Junts, veja-se as suas manifestações de xenofobia mais recentes e o seu caráter fortemente direitista e direi mesmo oportunista, fazem-me crer que o Junts não é parte da solução política para a Catalunha, antes está no coração do seu problema. Sabemos que o catalanismo foi perdendo força e identidade para dar lugar à fúria independentista, que conduziu a Catalunha aos ínvios caminhos do procès. Eleitoralmente, o independentismo tem perdido gás, o que não é nada de espantar depois da rocambolesca aventura que promoveu. Podemos questionar o que as eleições de Maio irão trazer de novo à questão catalã e à imprevisibilidade política da situação a nível nacional. Para já, só podemos raciocinar com base em sondagens e não estamos a falar de sondagens produzidas apenas pelo cada vez mais suspeito CIS de Tezanos. O que os resultados dessas sondagens nos dizem é que o Partido Socialista Catalão (PSC), com candidatura liderada por Salvador Illa poderá ganhar as eleições, suscitando a interrogação do segundo lugar, com disputa acesa entre a Esquerra e o Junts. É sobre os resultados previsíveis destas eleições que gostaria de construir o post de hoje, perplexo com uma tomada de posição de alguns notáveis que apelam ao não voto no PSC por considerar que a sua relação com os independentistas é inconstitucional. Desse comunicado não se entende bem qual é a indicação de voto desse grupo, o que adensa a minha perplexidade. Mas quem sou eu, de facto, para vos dar lições sobre a situação política em Espanha!)
Parto para a reflexão com o reconhecimento de uma evidência. O PP não tem contado para a solução do problema catalão e tudo indica que continuará a não contar. O que é em si um facto estranho, quando ainda há bem pouco tempo o CIUDADANOS de Inés Arrimadas e Rivera (já afastados da política, o que evidencia a acelerada efemeridade de tudo isto), então um partido de direita liberal e moderna, conseguiu ganhar as eleições regionais. As sondagens concedem ao PP um intervalo entre 8 e 12 deputados, o que é manifestamente insuficiente para contar alguma coisa na resolução do problema catalão. Neste contexto, o desenho da situação parece-me claro e limitado a duas alternativas. Uma primeira, de natureza repressiva e muito provavelmente com uma elevada probabilidade de atiçar o voto independentista e fazê-lo voltar a uma posição de superioridade, consistiria na repressão política do independentismo (Junts + Esquerra + CUP), ilegalizando tais forças até que renunciassem à secessão catalã. Uma segunda e derradeira alternativa consiste numa posição constante de negociação política, conduzida a partir de uma massa de votos suficientemente representativa para impor essa negociação. Se a primeira alternativa parece apenas merecer o apoio da extrema-direita do VOX, a segunda só através da presença político-eleitoral do PSC é viável.
Como explicar então o convite ao não voto no PSC?
Entre o grupo de personalidades que assumiu publicamente essa posição contam-se nomes como: o filósofo Fernando Savater conhecido politicamente pela sua corajosa cruzada contra a opressão da ETA e do independentismo no País Basco; Rosa Diez, deputada europeia pelo PSOE, membro do Parlamento Basco e posteriormente fundadora da União, Progresso y Democracia (UPyD), partido a que também Savater aderiu; Nicolás Redondo Terreros, secretário-geral do PSOE basco entre 1997 e 2002 e hoje filiado na Isquierda Española; Joaquin Leguina, membro do PSOE até 2022 e primeiro presidente da Comunidad de Madrid; Antonio Resines, ator e conhecido intérprete da série espanhola de TV Los Serranos; Frances de Carreras, ex-PSOE e fundador do CIUDADANOS, constitucionalista; Esperanza Aguirre ex-líder da Comunidad de Madrid e Caetana Álvarez de Toledo, conhecida deputada do PP, entre outros. Mas o que é o grupo de subscritores defende? Um manifesto contra o independentismo? Seria compreensível e legítimo, mas não é esse o objetivo do documento “Por um voto constitucionalista sem enganos!”. O grupo defende isso sim o não voto no Partido Socialista da Catalunha, por considerar que negociar com os partidos independentistas é em si mesmo um ato inconstitucional. Como o grupo não se apresenta a eleições, isso quer dizer que, na prática, ou recomendam a abstenção ou o voto no PP. Não consigo na verdade entender o tortuoso caminho a que chegou o pensamento de gente ilustre e merecedora de respeito como esta ou pelo menos a alguns membros deste coletivo, com grande realce para o constitucionalista Francesc de Carreras, uma das vozes que costumava seguir regularmente no acompanhamento da questão catalã.
Por muito que doa a tão ilustres personalidades, no xadrez político eleitoral catalão atual só o PSC pode representar a esperança de contenção do voto independentista. Seria mais claro e direto pedir a ilegalização política das forças independentistas. Insurgir-se contra o voto no PSC constitui, em meu entender, uma inequívoca e obtusa irracionalidade, caminhando aceleradamente esta tomada de posição para o caixote do lixo da irrelevância política.
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