(Do que tenho lido, Califórnia-Berkeley, Harvard e Colúmbia são os nomes mais sonantes nas Universidades americanas com campus agitados e ocupados por manifestações contra a ofensiva de Israel em Gaza, subordinadas regra geral à palavra de ordem do cessar-fogo como instrumento mais imediato de suspensão da carnificina imposta à população palestiniana na sequência da outra carnificina, a perpetrada pelo Hamas em Israel em 7 de outubro de 2023. Num excelente artigo publicado a semana passada na New Yorker, a filósofa Zadie Smith oferece-nos uma profunda reflexão de caráter ético sobre o que subjaz a tais movimentos de protesto mais ou menos violentos, em que, palavras dela, a linguagem e a retórica são verdadeiras armas de destruição massiva. Palavras como ameaça existencial, direito à defesa, um Estado, dois Estados, Sionismo, colonialismo, imperialismo e terrorismo, quando proferidas marcam irreversivelmente os posicionamentos de cada um nos campus em que a revolta prolifera. Entretanto, Reitores e Diretores de tais universidades recorreram à intervenção policial e, em alguns casos de grande violência, o que suscita por si só um outro e vasto campo de reflexão e controvérsia.)
A reflexão que Zadie Smith nos propõe é marcadamente ética e parte de um princípio que não estamos muito habituados a considerar nas nossas avaliações. Afirma Zadie Smith que a defesa sob a forma de manifestações coletivas de grande porte nos campus ocupados em permanência para reivindicação do cessar-fogo imediato em Gaza e na Cijordânia representa, com riscos evidentes para esses estudantes, o prolongamento do princípio da defesa dos mais fracos e neste caso concreto a população palestiniana é inequivocamente o elo mais fraco a necessitar de proteção e de solidariedade efetiva.
A questão palestiniana retoma pelo menos em algumas universidades americanas a tradição de alguma VOZ COLETIVA pela defesa dos direitos da igualdade e de defesa dos mais fracos, que parece suceder a um longo período de deceção e de glorificação dos interesses individuais. É curioso que, perante dois tipos de atrocidades, as perpetradas pela invasão russa aos ucranianos e os horrores de Israel e de Gaza e Cijordânia, parecem ter sido estes últimos os mais marcantes no eclodir de um novo ciclo de afirmação coletiva dos estudantes universitários, depois de um longo período de adormecimento e de predomínio dos interesses individuais e de carreira. Também por esta via se compreende que os objetivos do governo de Netanyahu podem militarmente ser conseguidos, mas em termos do isolamento de Israel os resultados poderão ser catastróficos.
Mas há uma outra dimensão a que o artigo de Zadie Smith não dá guarida e que diz respeito à tomada de posição dos administradores e diretores das Universidades quando são elas próprias a solicitar a intervenção das forças de segurança, em alguns casos de forças anti-motim. Este facto não passou despercebido à perspicaz análise de Branko Milanovic, estranhando ele a aparente contradição entre tal pedido de intervenção e o estatuto de autonomia universitária, pois não é o governo americano que coloca essas pessoas nos seus lugares. O economista sérvio residente nos EUA é particularmente cáustico a este respeito: “Esses administradores não entendem o seu papel no quadro do que era tradicionalmente o papel das universidades, que era o de tentar que as gerações jovens partilhassem os valores da liberdade, da moralidade, da compaixão, da auto-abnegação, da empatia ou de qualquer outro valor considerado desejável. O seu papel hoje é o de CEO’s de fábricas que são designadas de universidades. Essas fábricas têm uma matéria-prima que são os estudantes e que por sua vez se transformam em intervalos regulares anuais em licenciados. Consequentemente, qualquer perturbação nesse processo de produção é como se fosse uma perturbação qualquer na cadeia de valor. Tem de ser eliminada tão depressa quanto o possível para que a produção possa continuar.”
As palavras são duras, sobretudo quando confrontadas com a retórica dos valores que povoam as brochuras de atração de candidatos. Como Milanovic refere, rapidamente a busca da maximização do rendimento e a questão dos doadores engolem a matéria dos valores. E, de facto, não custa admitir que entre os doadores e os filantropos por detrás de algumas universidades estejam personalidades que consideram a causa palestiniana um real entrave ao negócio.
Sem comentários:
Enviar um comentário