quinta-feira, 9 de maio de 2024

O CRÍTICO GAP TECNOLÓGICO DA EUROPA FACE AOS EUA

 

(Nunca tanto como hoje se discutiram as relações entre economia e geopolítica. A crispação das relações entre os EUA e a China fez com que gente bem-intencionada e essencialmente de origem europeia se esforçasse por tentar demonstrar que não se tratava apenas de uma polarização dual entre os EUA e China, mas antes de uma triangulação em que a Europa teria uma palavra a dizer. Mas temos de convir que traçar na folha de papel branca fluxogramas que não têm em conta a dimensão dos polos em confronto conduz-nos muito provavelmente a conclusões erróneas, ou pelo menos lisonjeiras quanto ao real papel que a Europa pode desempenhar neste novo contexto geopolítico. Certamente que existe na União Europeia e na Europa em geral capacidade de investigação científica e tecnológica que não pode ser ignorada, mas relembrando uma vez mais que inovação implica falar de empresas, difícil será passar ao lado do enorme gap tecnológico que persiste entre a União e os EUA. Um dos indicadores mais correntemente utilizados para aferir desse gap tecnológica consiste em confrontar o peso e representatividade de mercado comparados entre os chamados gigantes tecnológicos americanos e europeus. Os números são avassaladores e tendem a mostrar que nunca a Europa poderá competir ao nível do gigantismo tecnológico. O que significa que será da procura de um novo modelo de afirmação e não da réplica do gigantismo tecnológico que deveríamos estar a falar. Mas o problema subsiste: mas que outro modelo poderá proporcionar à União a redução do gap tecnológico, abandonando de vez a miragem de que alguma vez será possível equilibrar o gigantismo tecnológico americano?)

Os números disponíveis não enganam. Comparando o valor de mercado das sete maiores empresas tecnológicas, é possível concluir que os sete gigantes tecnológicos americanos valem conjuntamente 12 milhões de milhões de dólares (triliões), ao passo que os sete gigantes europeus não valem conjuntamente mais do que 705 milhares de milhões de dólares (biliões). Os liberais encartados dirão que isso se deve ao modelo de regulação existente na Europa, que contrasta com um regime mais lasso nos EUA. Pode contrapor-se a este argumento a ideia de que durante duas décadas não existiu regulação do digital e nem por isso a Europa foi capaz de gerar uma Microsoft ou uma Apple, como o bem assinala Giorgos Verdi no Twitter (@giorgosverdi). Imaginar que o mercado interno dos 27 alguma vez se pode equiparar ao americano é pura tontaria, por mais que a legislação do mercado único europeu possa ser aprofundada e por mais que o inglês se tenha transformado na língua tecnológica por excelência. Mas essa língua, hoje reinante, não alinha necessariamente com a diversidade de culturas e de estruturas administrativas que continuam a existir entre os 27.

Mas outros argumentos poderão ser invocados.

Por exemplo, a diferente natureza do financiamento da inovação conta e muito para esta dimensão do gap existente. Nos EUA, a presença do capital de risco faz parte do próprio sistema de inovação, ao passo que na Europa é sobretudo de financiamento bancário, em grande medida avessos ao risco-inovação, através do qual a inovação é apoiada. E, não menos importante, os EUA através das suas Universidades de topo e do seu próprio gigantismo tecnológico têm conseguido atrair não só uma maior magnitude de talentos, mas também uma maior diversidade.

O argumento de que a incapacidade tecnológica da Europa se deve ao seu modelo de regulação parece, pois, conversa da treta, em grande parte ideológica. Isso significa que, por exemplo, em matéria de sustentabilidade e de respeito necessário das empresas por esses critérios, não há razões plausíveis para que a Europa abdique de continuar essa luta, com a justificação de que essa regulação dos critérios da sustentabilidade a prejudicará em termos de competitividade. Mas o desafio subsiste: não sendo possível replicar o gigantismo tecnológico americano, que outro modelo permitirá mitigar o gap existente? A resposta a esta questão não é fácil. Mas, de qualquer modo, não será seguramente através da afirmação vincada dos nacionalismos europeus que lá chegaremos, por muito que a opção da defesa das opções verdadeiramente europeias possa prejudicar os mais pequenos e periféricos. Será sempre possível através de soluções inspiradas pela audácia de gente como Jacques Delors encontrar formas de mitigar a penalização que a afirmação de interesses de dianteira europeia poderá representar para países como Portugal.

Finalmente, quanto aos asiáticos, mostrarei que pelo menos no que respeita à Ásia Oriental, onde se localizam os principais gigantes tecnológicos, os cenários apontam para que esses países vivam uma mudança da qual não nos tínhamos apercebido que poderia acontecer – o encolhimento demográfico. Mas isso fica para o próximo post.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário